sexta-feira, 22 de maio de 2009

WALDEMAR VALENTE

Waldemar Valente
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco




Waldemar Valente nasceu no Recife no dia 9 de fevereiro de 1908. Era o filho único de Ormina de Figueiredo e do jornalista Samuel da Silva Valente. Ainda na adolescência, o jovem obteve a fama de grande conquistador e, muitas vezes, das aventuras amorosas, retornou à sua casa com roupas rasgadas e hematomas visíveis, fruto do ciúme gerado por suas investidas.

Waldemar ia sempre ao Colégio Nóbrega jogar voleibol, participando da Associação Desportiva Acadêmica da escola: um grupo de estudantes ligados ao movimento de renovação católica. Ali, ele se tornou amigo de vários padres jesuítas, a exemplo de Abranches, Lamego, Zacarias e Fernandes. Em decorrência dessa amizade, passou a fazer parte, também, da Congregação Mariana de Moços, onde teve a oportunidade de participar de discussões sobre temas religiosos e culturais.

Aquela Congregação reunia a nata intelectual pernambucana da época: Nilo Pereira, Arnóbio Tenório, Orlando Parahym, Luiz Delgado, Paulo Vieira, Rui Belo, Willy Levin, José do Rego Maciel, Álvaro Lins, Milton Pontes, e tantos outros. Sobre a vivência daquele período, Waldemar escreveu:

Era um pouco céptico e descrente. A idéia de Deus ficava o meu espírito, como coisa vaga e distante. Criado em meio familiar católico, assistia com assiduidade as cerimônias do catolicismo. Mais que tradição social que por uma questão de fé. Os estudos de Medicina, na realidade material da vida humana, sob a influência de professores, devem ter contribuído para aumentar o meu catecismo e minha descrença.

Waldemar Valente se formou em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco e, em Farmácia, pela Faculdade de Formação da mesma universidade. Essas duas formações, contudo, não lhe bastaram: em 1934, ele decidiu estudar Antropologia, no Museu Nacional do Rio de Janeiro, sob a direção de Roquete Pinto.

Em relação às suas atividades profissionais, vale registrar que, como médico, ele atuou em campanhas de combate à muriçoca; trabalhou para a Inspetoria Nacional de Obras Contra as Secas, no alto sertão de Pernambuco; montou um consultório particular para exercer a medicina; atendeu pacientes em domicílios; e, em uma farmácia, recebeu percentagem pelas consultas lá realizadas.

Contudo, apesar de todos os esforços despendidos com o exercício da medicina, o jovem médico não conseguiu amealhar, mensalmente, o necessário para o sustento de sua família. Sendo assim, ele enveredou por um novo caminho: o magistério. A partir de 1925, passou a se dedicar ao ensino médio. Lecionou inglês, português e biologia, em vários colégios da cidade: Ginásio Pernambucano, Ginásio Oswaldo Cruz, Colégio Nóbrega, Ateneu Pernambucano, Colégio Salesiano, Instituto Nossa Senhora do Carmo, Colégio Marista, Ginásio do Recife, Instituto de Educação de Pernambuco, Colégio Porto Carreiro e Colégio Leão XIII. Posteriormente, voltou-se, também, para o Terceiro Grau, e passou a ensinar na Faculdade de Filosofia do Recife, na Universidade de Pernambuco e na Universidade Católica de Pernambuco.

Ele foi um dos fundadores do colégio Ateneu Pernambucano, tendo dirigido várias entidades e departamentos, tais como o Ginásio Pernambucano; o Departamento de Educação Sanitária e o setor de Bioestatística do Departamento de Saúde Pública de Pernambuco (DSP); e o Serviço de Assistência Médica a Flagelados (com sede em Salgueiro).

Waldemar Valente ingressou no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS), hoje, Fundação Joaquim Nabuco, FUNDAJ, no dia 1 de junho de 1972, tornando-se Diretor do Museu de Antropologia, hoje chamado Museu do Homem do Nordeste. Foi muito amigo de Gilberto Freyre, Mauro Mota e Mário Souto Maior.

Aos poucos, dedicou-se às áreas de Folclore, Etnografia e Antropologia Cultural, e passou a estudar os cultos afro-brasileiros. Tornou-se, posteriormente, Diretor do Departamento de Antropologia.

O antropólogo foi eleito para ocupar a cadeira de número 24, da Academia Pernambucana de Letras, no dia 4 de junho de 1957. Porém, em virtude de atrasos de ordem interna, sua posse só ocorreu em 26 de janeiro de 1959.

Constam do Curriculum Vitae de Waldemar Valente, entre livros, artigos, colaborações em periódicos, e obras coletivas, os seguintes trabalhos: Artigo definido the. Recife, 1930; História da civilização. Recife, 1933;Antropologia em ação. Recife, 1934; História da civilização. São Paulo, 1937;O trovador do Nordeste. Recife, 1937; O povoamento primitivo da América. Recife, 1939;Fundamentos biotipológicos da educação. Recife, 1941; Caminha: o primeiro etnógrafo do Brasil. Recife, 1944; Aspectos da evolução histórica da língua inglesa. Recife, 1944; O povoamento primitivo da América e a teoria do professor Alés Hrdlicka. Recife, 1948; Eutanásia. Recife, 1948; Notas à margem de um problema etnográfico. Recife, 1948; Índice de Manouvrier e sua significação em educação física escolar. Recife, 1948; O critério de forma na metodologia etnológica. Recife, 1949; Introdução ao estudo da antropologia cultural. Recife, 1953; Índices cranianos. Recife, 1954; Marcas muçulmanas nos xangôs de Pernambuco. Recife, 1954; Sincronismo religioso afro-brasileiro. São Paulo, 1955; A função mágica dos tambores. Recife, 1956; Influências islâmicas nos grupos-de-culto afro-brasileiros de Pernambuco. Recife, 1957; Islamismo em Pernambuco. Recife, 1957;Maria Graham – uma inglesa em Pernambuco nos começos do século XIX. Recife, 1957; Um ensaio do professor Amaro Quintas. Recife, 1958;O negro nas crônicas holandesas do século XVII. Recife, 1958; Misticismo e religião (Aspectos do sebastianismo nordestino). Recife, 1963; Gilberto Freyre: um livro de estréia. Recife, 1964; Influências daomeanas nos grupos-de-culto afro-nordestinos. Recife, 1966; Panteísmo em Pernambuco. Recife, 1966; O Padre Carapuceiro (crítica de costumes na primeira metade do século XIX). Recife, 1969; Survivances dahomenas dans les groups-de-culte africains du nordest du Brésil. Dakar, 1969;S errinha (aspectos antropossociais de uma comunidade nordestina). Recife, 1973; Antecipação de Pernambuco no Movimento da Independência (testemunho de uma inglesa). Recife, 1974; O japonês no Nordeste agrário. Recife, 1978; (traduzido para o japonês)Xangô: um ritual afro-brasileiro de Pernambuco. Recife, 1982; A litolatria no folclore nordestino. Recife, 1983; Mauro Mota não morreu. Recife, 1984; Misticismo e religião. Recife, 1984; Bandeira, pintor. Recife, 1984; Presença de Silvio Rabelo. Recife, 1984; Nordeste em três dimensões. Recife, 1986; Aspectos espirituais da presença africana no folclore nordestino. Recife, 1986.O inhame. Recife, 1987; Jogo do pião. Recife, 1987; Antologia pernambucana do folclore (com Mário Souto Maior). Recife, 1988; Histologia da poesia popular de Pernambuco. Recife, 1989; A Dama de Ouro. vol. 1. Recife, 1990. (autobiografia).
Waldemar Valente casou-se duas vezes. A primeira delas, com Berenice Galvão de Figueiredo, com a qual teve sete filhos; e, a segunda, com Marilene Torquato dos Santos, que lhe deu oito filhos.

Um fato ocorrido no âmbito familiar transtornou os últimos anos de vida do antropólogo: Ana Maria, uma de suas filhas mais novas, foi diagnosticada portadora de leucemia. Após alguns anos de luta, a adolescente viajou para São Paulo, para realizar um transplante de medula (cedida por seu irmão). Era a última tentativa de salvar a própria vida. A despeito de o procedimento cirúrgico ter sido bem sucedido, a doença não pôde ser debelada, e a linda Aninha do Dr. Waldemar não sobreviveu muito tempo.

Depois de sua morte, o antropólogo perdeu o elã de viver. Continuou trabalhando no Departamento de Antropologia da FUNDAJ, mas, foi definhando dia após dia, e faleceu no dia 27 de novembro de 1992, aos 84 anos de idade. Waldemar Valente era um gentleman e um erudito simples. Além de importantes pesquisas antropológicas e etnológicas, ele deixou muitas saudades.

Fontes Consultadas:
TÁVORA, José Geraldo. Presença médica na academia pernambucana de letras: (1921 - 1995). Recife: Universitária, 1996.
VALENTE, Waldemar. Pastoris do Recife antigo e outros ensaios. Organização e apresentação de Mário Souto Maior. Recife: 20-20 Comunicação e Editora, 1995.

PATATIVA DO ASSARÉ

PATATIVA DO ASSARÉ

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco



Segundo filho de pequenos proprietários rurais do sertão do Cariri, Antônio Gonçalves da Silva, chamado de Patativa do Assaré, nasceu no dia 5 de março de 1909, na Serra de Santana, uma localidade situada a dezoito quilometros do município de Assaré, ao sul do Estado do Ceará.

Em conseqüência de uma doença, Antônio perdeu o olho direito aos quatro anos. Aos oito anos de idade, depois da morte do seu pai começou a trabalhar na pequena agricultura familiar.

Cursou quatro meses de escola, apenas, mas conseguiu se alfabetizar aos doze anos, através do manual do aluno sertanejo, uma cartilha de Felisberto de Carvalho. Ressaltava sempre: Eu aprendi com a natureza que é caprichosa. Sua mãe sempre lhe contava estórias e canções populares, e seu irmão mais velho gostava de ler os folhetos de literatura de cordel, vendidos nas feiras. Irrompeu-lhe, dessa forma, o veio poético.

Amante ardoroso da leitura, Antônio entrou em contato com as obras de alguns poetas importantes, como Olavo Bilac, Castro Alves e Carlos Drummond de Andrade. Leu, também, vários escritores clássicos, como Graciliano Ramos, Machado de Assis, e, até mesmo, o poeta português Luis Vaz de Camões. Sobre isto, ele falava: Eu li Camões, eu sou atrevido.

Na adolescência, convenceu a mãe a vender uma ovelha para que pudesse comprar uma viola de dez cordas. Com o instrumento musical, começou a fazer improvisações pelas redondezas, se apresentando em aniversários, comemorações de santos, festas de casamentos, entre outras datas importantes. É ouvindo os folhetos de cordel que Antônio teve a certeza de poder criar poesias.

O pseudônimo Patativa surgiu quando um escritor cearense - José Carvalho de Brito -, fez uma alusão dos versos do poeta à pureza do canto da patativa, um pássaro do Nordeste brasileiro. Além disso, para destacar Antônio Gonçalves da Silva, como o poeta popular de toda a região, adicionou-lhe, ainda, o nome Assaré.

Em 1936, Patativa casou-se com Belarmina Paes Cidrão, a dona Belinha, e com ela teve nove filhos, dois morreram, ficaram três mulheres e quatro homens. Foi morar na Rua Coronel Pedro Onofre, em Assaré, onde comprou uma casa perto da igreja-matriz, porque sua esposa era muito religiosa.

Certa vez, tendo se apresentado na Rádio Araripe, recebeu um convite de um de seus ouvintes - José Arraes de Alencar - para intermediar a publicação de suas obras junto a uma editora do Rio de Janeiro. Em 1956, surgiu a primeira edição do seu livro: Inspiração nordestina. A antologia fez bastante sucesso e, em 1966, foi tirada uma segunda edição, enriquecida por novos textos: Cantos da Patativa. O poeta viajou para o Rio de Janeiro, permanecendo, lá, quatro meses.

Outra coletânea de versos foi publicada em 1970, através do professor José de Figueiredo Filho, que escreveu, inclusive, alguns comentários sobre Patativa do Assaré. Em 1978, a Editora Vozes publicou seu livro Canta lá que eu canto cá. E, em 1988, lançou uma nova antologia de textos - Ispinho e Fulô - sob a direção de Rosemberg Cariry. Quando completou 86 anos, a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, em sua homenagem, publicou uma nova coletânea de textos: Aqui tem coisa.

Sobre as filhas tão queridas, ele escreveu:

Minhas filhas eu vejo que são três
e cada qual é da beleza irmã
se eu quero Lúcia, muito quero Inês
da mesma forma quero Miriam.
Vendo a meiguice da primeira filha
vejo a segunda que me prende e encanta
a mesma estrela que reluz e brilha
se olho a terceira, vejo a mesma santa.
Se a cada uma com fervor venero
fico confuso sem saber das três
qual a mais linda e qual eu mais quero
se é Miriam, se é Lúcia ou se é Inês.
E, já velho, a pensar de quando em quando
eu brevemente voltarei ao pó
eu sou feliz e morrerei pensando
que as três filhas que eu tenho é uma só.

Devido à sua prodigiosa memória, desde cedo, Patativa do Assaré descobriu sua vocação poética, porém retinha tudo na mente, pouco escrevendo. Enalteceu a prática da leitura. Afirmou gostar de ler pelo simples prazer de aprender: com a prática de ler a gente vai descobrindo e sabe que nem pode dizer tu sois e nós é.

Luiz Gonzaga gravou dele a música A triste partida. O poeta admirava muito o grande cantor nordestino, e salientava que ele jamais mudara a linguagem cabocla, apesar de conviver com uma classe social privilegiada.

Patativa foi um agricultor que trabalhou com as mãos na enxada, produziu milho, feijão, mandioca, macaxeira, e enfrentou os mesmos dramas dos demais sertanejos, com uma diferença: produziu poesia e elaborou a rima métrica em sua própria memória. Ele discorreu sobre a seca, a reforma agrária, o sertão, a política, o cotidiano, enaltecendo uma sociedade mais justa e solidária. Chegou a ser perseguido pela Ditadura Militar, que governou o Brasil depois do Golpe de 1964. Em uma parte do poema O Agregado e o Operário ele declarou:

...Sou poeta agricultor
do interior do Ceará
a desdita, o pranto e a dor
canto aqui e canto acolá
sou amigo do operário
que ganha um pobre salário
e do mendigo indigente
e canto com emoção
o meu querido sertão
e a vida de sua gente.

Patativa criou também o poema Emigração e as conseqüências, onde ressalta:

A fome é o maior martírio
Que pode haver neste mundo,
Ela provoca delírio
E sofrimento profundo
Tira o prazer e a razão
Quem quiser ver a feição
Da cara da mãe da peste,
Na pobreza permaneça,
Seja agregado e padeça
Uma seca no Nordeste.

Patativa do Assaré publicou seis livros: Inspiração nordestina, Cantos de Patativa; Cante lá que eu canto cá, filosofia de um trovador nordestino; Ispinho e fulô; Aqui tem coisa; Cordéis Juazeiro do Nordeste e Balceiro. Todas essas obras foram publicadas com incentivos de seus próprios admiradores.

O poeta sertanejo foi homenageado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), participou da luta pela Anistia, chegou a ganhar comendas e o título de Doutor Honoris Causa em quatro universidades, foi difundido pelos meios de comunicação de massa, e tornou-se amigo de Darci Ribeiro. Sua obra rendeu inúmeros estudos em universidades brasileiras, além de teses acadêmicas na Sorbonne (França). Mesmo cego, jamais deixou de produzir.

Ao completar 90 anos, o município presenteou-lhe o Memorial Patativa do Assaré. O prédio tem três pavimentos, 489,90 m2 de área construída, e contém salas de vídeo, de exposições, biblioteca, cantina, auditório com capacidade para oitenta e oito pessoas, entre outros. Todo esse acervo vem sendo gerido pela Fundação Memorial Patativa do Assaré.

Sobre a velhice, escreveu Réplica de um Cabelo Branco:

A um cabelo branco de vergonha
lhe disseram os pretos
não se oponha
você nos causa um sofrimento atroz
se retire, saindo da cabeça
e o mais breve daqui desapareça
não queremos você perto de nós.
O bom cabelo, muito inteligente
tendo tudo gravado em sua mente
julgando a vida do começo ao fim
falando sério contra a rebeldia
com a verdade da filosofia
para os pretos cabelos disse assim:
‘a natureza é protetora e franca
e quando ela me deu essa cor branca
um grande insulto cada qual me fez
mas cada um será bem castigado!
pois mereço ser muito respeitado!
sou começo da estrada de vocês!’

Registrou, ainda:

Conheço que estou no fim
e sei que a terra me come
mas fica vivo o meu nome
para os que gostam de mim.

O canto de Patativa do Assaré se extinguiu no dia 8 de julho de 2002. Após a falência múltipla dos seus órgãos, o mais famoso poeta popular nacional, aos 93 anos de idade, descansou em paz. Bem antes de partir, entretanto, já havia se tornado um imortal.

Fontes consultadas:

ASSARÉ, Patativa. Digo e não peço segredo. São Paulo: Escrituras, 2001.

CARVALHO, Eleuda. Cantiga de pé-quebrado ao poeta passarinho. Continente Multicultural, Recife, a.2, n. 20, p.34-35, ago. 2002.

CARVALHO, Gilmar de. Patativa do Assaré: poesia, profecia e performance. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 30, n. 1/2, p.28-36, 1999.

______. Aboio para o poeta camponês. Continente Multicultural, Recife, a. 2, n. 20, ago. p. 32-33, 2002.

ODE à metrica e à rima. O Povo, Fortaleza, 3 mar. 1999. Caderno Vida & Arte, p. 6B.

PATATIVA do Assaré: uma voz do Nordeste. Introdução e seleção Sylvie Debs. São Paulo: Editora Hedra, 2001.

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

quarta-feira, 20 de maio de 2009

ZEPELIM

ZEPELIM

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

Os zepelins eram balões dirigíveis que se assemelhavam a enormes charutos, e as suas viagens representavam verdadeiras atrações, que eram aguardadas com ansiedade pela população. Finalmente, o ser humano havia conquistado um dos seus antigos e maiores sonhos: o poder de voar. Vale registrar que a utilização do gás hélio (um gás não inflamável) possibilitou o surgimento da era dessas aeronáveis.

O inventor do balão dirigível foi o conde alemão Ferdinand Adolf Heirinch von Zeppelin (1839 -1917). No dia 2 de julho de 1900, com uma aeronave impulsionada por dois pequenos motores, o conde conseguiu sobrevoar o lago Constanza, na fronteira da Alemanha com a Suíça.

Por conta desse feito extraordinário na História da Aviação, os dirigíveis ficaram sendo chamados até o presente de zepelins, o mesmo nome do seu inventor.

O sucesso dos balões dirigíveis levou à fundação, na Alemanha, da primeira companhia aérea de transportes de cargas e de passageiros: a Deutsche Luftschiffahrts Aktein Gesellchaft (DELAG).

Nas primeiras décadas do século XX, os alemães haviam lançado os seguintes dirigíveis, como o ápice deus avanços tecnológicos: o "Graf Zeppelin" (em 1928) e o "LZ 129 Hindenburg" (em 1936). Possuindo interiores extremamente confortáveis, e com capacidade para enfrentar as travessias transoceânicas, eles funcionavam como verdadeiros hotéis flutuantes.

Em se tratando da segurança dessas aeronaves vale lembrar que, no dia 6 de maio de 1937, em Lakehurst, nos Estados Unidos, houve um acidente fatal com o "Hindenburg".

Por apresentar uma posição geográfica privilegiada no Nordeste do Brasil, a cidade do Recife foi escolhida para abrigar a primeira base operacional dos dirigíveis "Zeppelin" e "Hindenburg". Para tanto, construiu-se em Jiquiá um Parque de Aerostação, com uma torre de atracação de 16 metros de altura. Era a primeira estação aeronáutica para dirigíveis da América do Sul e tinha uma função semelhante a dos faróis.

No dia 22 de maio de 1930, quando um desses grandes peixes-voadores chegou em Recife pela primeira vez, o fato teve tamanha relevância que Estácio Coimbra, governador de Pernambuco naquela época, decretou feriado estadual. E o dirigível terminou pousando no Campo dos Dirigíveis do Jiquiá.

Durante os anos seguintes (1930 a 1937), os zepelins não deixaram de cruzar os ares entre a Alemanha e o Brasil: saiam de Friedrichshafen e faziam escala em Recife. Nesse período, o "Graf Zeppelin" realizou sessenta e cinco viagens, e o "Hindenburg" empreendeu duas. E essas aeronaves pousaram oito vezes em Jiquiá.

Os zepelins faziam tanto sucesso que, em certa ocasião, Ascenso Ferreira chegou a escrever um poema sobre eles:

Graf Zeppelin

W Z! K D K A! U Z Q P!

· Alô, Zeppelin! Alô, Zeppelin! Alô, Zeppelin!

· Usted me puede dar nuevas del Zeppelin?

· Dove il Zeppelin?

· Where is the Zeppelin?

· Passou agorinha em Fernando de Noronha.

· Ia fumaçando!

· Chegou em Natal!

(Augusto Severo, acorda de teu sono, bichão!)

· Alô, Zeppelin! Alô, Zeppelin!

· Rádio, rádio, rádio!

W Z - Q P Q P – G Q A A ... = Jiquiá!

· Apontou!

· Parece uma baleia se movendo no mar.

· Parece um navio avoando nos ares.

· Credo, isso é invento do cão!

· Ó coisa bonita danada!

· Viva seu Zé Pelin!

· Vivôôôô!

· Deutschland über alles!

· Atracou!

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

Saudade: - "Olá, seu Ferramenta,

Você sobe ou se arrebenta!"

Vale salientar que Augusto Severo foi um aeronauta potiguar, morto em 1901 em decorrência da explosão, no ar, do balão "Pax" que o conduzia. O aeroporto de Natal possui o seu nome em uma justa homenagem. E, Ferramenta, trata-se de um capitão luso que, no ano de 1905, subiu aos céus em um outro balão.

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), por ocasião do bombardeio de Londres, o zepelim foi utilizado pelos alemães como arma de guerra. Na Segunda Guerra Mundial, por sua vez, essa aeronave foi usada em operações de patrulha e resgate.

De conformação telescópica e com 19 metros de altura, a Torre do Zepelim se encontra, presentemente, em uma área sob jurisdição militar. Em 1982, essa antiga atração foi tombada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - FUNDARPE. Hoje, ela representa a única torre para dirigíveis existente em todo o mundo.

Um ano antes disso, contudo, sob o patrocínio do Governo do Estado de Pernambuco, da Empetur, da Varig e da Administração do Aeroporto de Frankfurt (Alemanha), os sete ex-integrantes da tripulação do "Zeppelin" visitaram aquela torre.

Em 1997, a Alemanha construiu o LZ N 07, o mais novo membro da família Zeppelin e integrante da quarta geração dos dirigíveis de alta tecnologia. A aeronave foi desenvolvida pela Zeppelin Luftschifftechnik GmbH, em Friedrichshafen, e deverá ser empregada em vôos científicos, publicitários e turísticos.

Fontes consultadas:

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

PROJETO:Recife-Cidade do Zeppelin. Recife: Grupo Zeppelin, 1997. Mimeografado.

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

VITÓRIA-RÉGIA

VITÓRIA-RÉGIA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

A vitória-régia é uma das maiores plantas aquáticas do mundo. Originária da região amazonense, ela pertence à família das Nynphaeceae. Por se tratar de uma planta ornamental exuberante, os europeus chamaram-na de rosa lacustre. E quando um pesquisador inglês levou as suas sementes para plantar, nos jardins do palácio real, os próprios ingleses denominaram-na Vitória, em homenagem à sua querida rainha. Cabe registrar que os indígenas chamam-na de Uapé, Iapucacaa, Aguapé-assú, Jaçanã, ou Nampé; e, os índios guaranis, de Irupé.

As folhas da vitória-régia possuem as bordas dobradas, são grandes e flutuantes, apresentam-se no formato de um círculo, e algumas chegam a cobrir uma superfície de três metros quadrados. Além disso, se o peso for bem distribuído, elas são capazes de suportar uma carga de até quarenta quilos, sem afundá-la na água. Na Região Norte, as garças, os maguaris e várias outras aves, passeiam tranqüilas sobre os seus largos mantos verdes.

Nos meses de janeiro e fevereiro brotam as flores da vitória-régia. Elas são brancas ou rosadas, possuem várias camadas de pétalas, e abrem somente durante a noite, exalando um perfume maravilhoso. Algumas flores atingem trinta centímetros de diâmetro e, no meio delas, observa-se um botão circular onde se localizam as sementes.

As enchentes e inundações do rio Amazonas beneficiam muito a vitória-régia. À medida que as águas vão subindo, crescem também os seus pecíolos [hastes]. Por vezes, eles ficam longuíssimos, medindo até cinco metros de comprimento. Caso o nível das águas permaneça alto, a vitória-régia viverá cerca de dois anos; mas, se as águas baixarem, ela, aos poucos, irá sucumbindo.

Em relação à vitória-régia, no Norte, existem vários mitos e lendas que são narrados por sábios pajés e índias idosas. Reunidos à noite, eles repassam, oralmente, a sua cultura milenar. Alguns contam, por exemplo, que tudo começou com a índia Naiá. Ela era apaixonada pela Lua - considerada um deus masculino, um jovem e bonito guerreiro - e não aceitava namorar os outros índios. Passava as noites correndo pelas matas, perseguindo o noivo celestial, e não havia poção milagrosa capaz de curá-la de tal obsessão.

Certa vez, estando à beira de uma lagoa, Naiá viu a imagem do seu amado refletida nas águas. Sem titubear nem um segundo, mergulhou ao seu encontro e morreu afogada. Sensibilizada com o fato, a Lua procurou compensar o sacrifício de Naiá, e transformou-a em uma estrela das águas, um verdadeiro poema de beleza e perfume. Depois disso, dilatou a palma de suas folhas, para que pudessem receber melhor os afagos de sua luz. E, para acolher os raios de luar - em verdade, os seus beijos apaixonados - a Lua fez com que as flores da vitória-régia abrissem somente à noite, exalando um aroma maravilhoso.

De acordo com uma outra versão dessa lenda, dizem que a Lua tinha poderes extraordinários para transformar as índias em estrelas. E havia uma índia que desejava muito se transformar em uma estrela, para poder ficar mais perto da Lua, sua grande paixão. Tentando alcançá-la, subia nos morros e montanhas chamando por ela: Iaci! Iaci! Porém, todos os seus esforços eram inúteis. Certo dia, a índia percebeu não somente o reflexo da Lua, como ouviu o seu canto, oriundo das profundezas das águas. Crendo ser o amado lhe chamando, atirou-se no igarapé e nunca mais retornou à superfície. Compadecida com a sua falta de sorte, a Lua transformou-a, então, em uma bela estrela d´água na Terra.

De uma outra variação dessa lenda foi elaborado, inclusive, um roteiro para o teatro. Os protagonistas da história são a Lua, um bonito guerreiro chamado Jacy; a planta aquática Uapé; e uma cunhã, uma jovem índia chamada Naiá, que vivia como as demais mulheres da aldeia, cozinhando, tecendo, trabalhando a mandioca, cuidando de crianças, modelando vasos de barro e que, ao final das tardes, se deitava na rede e adormecia olhando o céu.

Certo dia, quando Naiá se deitou, percebeu as estrelas no céu pela primeira vez. Nessa atitude contemplativa, descobriu também a Lua - um belo guerreiro - e, a partir desse momento, desejou ser uma estrela. Quando a noite chegava, ela corria para as margens do rio, olhava para cima e via o amado brilhando entre as estrelas. Daí, apaixonada e feliz, começava a cantar e a chamar por ele. Passava horas e horas admirando o firmamento, na tentativa de visualizar o rosto do bem amado.

Os meses se seguiam e Naiá continuava buscando os raios da Lua, sem nunca dela conseguir se aproximar. Cantava todas as noites, às vezes subia ao topo de uma árvore, para tentar tocar no jovem guerreiro, mas este permanecia distante e silencioso. Certo dia, sempre cantando e dançando, ela entrou em um lago claro como um espelho. Molhou os pés, as pernas e, em seguida, abraçou o reflexo de Jacy, que jazia na água. Enfim, pensou a índia, o meu amado desceu à Terra para banhar-se comigo neste lago. Assustada, a tribo observava o comportamento de Naiá. Um dos índios, inclusive, tentou impedi-la de entrar na água, mas ela foi mergulhando, mergulhando, e em pouco tempo desapareceu, morrendo afogada.

Olhando para o local, depois do ocorrido, os indígenas viram surgir uma luz na superfície do lago. Essa luz foi se transformando em pequenas folhas redondas, que cresceram até ficar bem grandes, como se fossem uma bandeja verde. Em seguida, apareceu uma pequena pétala branca, que foi aumentando de tamanho, e surgiram outras pétalas que formaram uma linda flor. A estrela branca se abriu e perfumou todo o ambiente: era a flor da noite. Cheia de remorsos, a Lua havia transformado a jovem morta em uma estrela do rio Amazonas. Ou seja, Jacy transformara Naiá em Uapé.

E, desde sempre, quando a Lua ilumina as águas dos rios, lagoas e igarapés, Uapé abre as suas pétalas para receber todo o carinho do amado. Porém, quando o dia começa a clarear, ela se fecha. Abre-se em sua plenitude máxima somente nas noites de Lua cheia, quando o céu sobre a selva amazônica está claro e sem nuvens. Naiá se transformou, definitivamente, na gigante e bela flor das águas, permanecendo, ao longo dos tempos, como a rainha das plantas aquáticas.

Além de conter beleza e perfume, a vitória-régia possui uma raiz - um tubérculo parecido com o inhame - que é consumida pelos nativos em sua alimentação. Eles chamam-na “forno-d’água”, por sua semelhança com um tacho de torrar farinha. Por sua vez, os indígenas extraem o sumo dessas raízes (uma tintura preta) e usam-no para pintar os seus cabelos.

É interessante registrar que as cápsulas da vitória-régia, repletas de sementes, vão se depositar no fundo das águas, a cada mês de agosto. A partir daí, na medida em que recebem a ação dos raios solares, elas se enterram no lodo cada vez mais e endurecem. Tais sementes representam uma fonte de alimento para os índios. E as aves da região também as apreciam. Estas últimas, por fim, voando em bandos, espalham as sementes da vitória-régia por todos os lugares onde passam. Dessa maneira, elas perpetuam a existência da rosa lacustre: a mais linda deusa vegetal e estrela das águas.

Fontes Consultadas:

AMARAL, Rita de C. P.; ITTNER, Tânia R. C.; BAHER, Vivien I. Coleção: folclore em atividades. Blumenau: Edições Sabida, s.d.

ARAÚJO, Alceu Maynard. Brasil folclore; histórias, costumes e lendas. São Paulo: Editora Três, 1982.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações S. A. 9. ed. 1954.

______. Lendas brasileiras: 21 histórias criadas pela imaginação do nosso povo. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, [s.d.]

HORTA, Carlos Felipe de Melo Marques (Org.). O grande livro do folclore. Belo Horizonte: Leitura, 2000.

RIBEIRO, José. Brasil no folclore. Rio de Janeiro: Editora Aurora, 1970.

VITÓRIA-RÉGIA. Disponível em: Acesso em: 26 de junho de 2006.

VITÓRIA-RÉGIA. Disponível em: Acesso em: 19 jul. 2006.

VITÓRIA-RÉGIA. Disponível em: Acesso em: 21 jul. 2006.

VITÓRIA-RÉGIA (Mitologia). Disponível em: Acesso em: 19 jul. 2006.

VITÓRIA-RÉGIA (Botânica). Disponível em: Acesso em: 19 jul. 2006.

VOLPATTO, Rosane. Vitória Régia, a deusa vegetal. Disponível em: Acesso em: 19 jul. 2006.

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

UIRAPURU

UIRAPURU

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

O Uirapuru é um pássaro irrequieto e pequeno: mede somente uns 12,5cm de comprimento. O seu nome científico é Cyphorhinus aradus e ele pertence à família das Troglodytidae. Alimenta-se basicamente de frutas e insetos e o seu habitat natural são as matas e florestas da Amazônia. O visual do Uirapuru não é atraente: ele possui uma plumagem pardo-avermelhada, ou verde-oliva com a cauda avermelhada, um bico forte e pés grandes. Os índios chamam-no Irapuru ou Guirapuru, que significa pássaro ornado, pássaro emprestado, ou pássaro que não é pássaro, e cuja missão é a de presidir o destino dos outros pássaros. O seu canto é extremamente belo e quando ele emite sons musicais, todas as outras aves, como que enfeitiçadas, se calam para ouvi-lo.

Câmara Cascudo ressaltou que o primeiro estrangeiro a ouvir o canto do Uirapuru e a registrar sua melodia foi o botânico Richard Spruce, em uma excursão ao rio Trombetas, na metade do século XIX. Segundo esse pesquisador, o Uirapuru cantava para todo o mundo como uma caixa de música:
eram inconfundíveis os claros sons metálicos, exatamente modulados como por um instrumento musical. As frases eram curtas, mas cada uma incluía todas as notas do diapasão, e depois de repetir a mesma frase umas vinte vezes, passava subitamente para outra, de quando em vez com a mudança de clave de uma quinta-maior, e prosseguia por igual espaço. Normalmente fazia uma breve pausa, antes de mudar de tema. Eu já o escutava, há bastante tempo, quando me ocorreu a idéia de fazer a transcrição musical... Simples como é, esta música era vinda de um músico invisível no fundo da mata selvagem, de uma magia que me encantou quase uma hora. Então, bruscamente, parou, para recomeçar tão longe que mal pude percebê-la a extinguir-se (p. 888).

No Norte do Brasil, existem várias lendas sobre o Uirapuru. Uma delas salienta que um jovem guerreiro se apaixonou pela esposa de um cacique. E, como não podia se aproximar dela, solicitou ao deus Tupã que o transformasse em pássaro. Tupã prontamente atendeu ao seu pedido. Notando, porém, que havia um determinado pássaro cantando todas as noites para a sua amada, o cacique passou a persegui-lo, com a intenção de prendê-lo. O pássaro, no entanto, voou para dentro da floresta, e o cacique não conseguiu acompanhá-lo. Todas as noites, então, o Uirapuru retorna e canta para a esposa do cacique, desejando que ela o descubra através do seu belo canto.

Uma outra lenda corrente ressalta que, em uma tribo, havia duas índias apaixonadas pelo mesmo cacique. Sabendo disto, ele prometeu casar com a que tivesse a melhor pontaria na flecha. E assim ocorreu. Acontece que a índia perdedora - Oribici - chorou tanto que suas lágrimas chegaram a formar uma fonte e um córrego. Por outro lado, ela percebeu que o cacique amava muito a sua esposa. Daí, ela decidiu se resignar com a falta de sorte e não disputar mais aquele amor. O grande deus Tupã, entretanto, compadecido com o pesar de Oribici, transformou-a em um pássaro, para que, do alto, ela pudesse sempre ver o seu amado. Além disso, deu-lhe também um canto belíssimo, capaz de enfeitiçar todos os outros pássaros da floresta, compensando-a assim pelo amor que ela não pôde ter.

Uma terceira lenda destaca que a flecha de uma donzela apaixonada atingiu um pássaro de plumas vermelhas e de canto perfeito, transformando-o em um guerreiro forte e belo. Havia, porém, um feiticeiro - aleijado e muito feio - que amava aquela donzela e sentia ciúmes do guerreiro. Sendo assim, ele tocou uma determinada música, com sua flauta encantada, e fez com que o guerreiro desaparecesse para sempre. A partir desse dia, só restou o lindo canto do guerreiro nas matas e florestas da Amazônia. Segundo a lenda, trata-se do próprio Uirapuru.

Em relação a esse pássaro, portanto, o real e o lendário parecem se confundir. Os pesquisadores afirmam que ele nunca repete as mesmas frases musicais e, por essa razão, é considerado pelos nativos como um ente sobrenatural. Depois de morto, não somente o seu corpo, mas algumas partes dele, ou do seu ninho, são considerados talismãs, sendo muito procurados no mercado. Para os índios tupis, em verdade, o Uirapuru representa um deus que adquiriu a forma de pássaro. E, no estabelecimento comercial que tiver seu amuleto, muitas pessoas serão atraídas. Acreditam, também, que ele proporciona felicidade: o homem que carregar uma simples pena dele tornar-se-á irresistível para as mulheres e terá muita sorte nos negócios. Por sua vez, a mulher que conseguir um pedaço do seu ninho conseguirá viver com o homem amado, e este se manterá fiel e apaixonado para todo o sempre. Além disso, quem puder ouvir o canto desse pássaro deverá, imediatamente, fazer um pedido porque ele será realizado.

Cascudo registrou que “não há no Pará, no Maranhão e Amazonas muitos taverneiros que não tenham na soleira da porta enterrado um Guirapuru, a quem atribuem a virtude de conduzir fregueses à sua taverna. Um Guirapuru, por este motivo, custa caro... Muitos comerciantes compram tais amuletos apenas para deixá-lo em uma gaveta do estabelecimento, ou mesmo enterrá-lo na soleira da porta, acreditando que o mesmo atrairá fregueses. Vale informar, porém, que é dificílimo se adquirir uma pena do Uirapuru, porque os outros pássaros sempre o avisam da presença de predadores e ele voa para bem longe. Só se adquire as penas velhas, quando estas se soltam naturalmente do seu corpo e caem ao chão.

Ainda de acordo com o folclorista, a posição em que cai o uirapuru, ao ser abatido, indica o sexo que o deve utilizar como amuleto: caindo ressupino [de costas], será para a mulher; e, ficando de bruços, deverá pertencer a um homem. Isto, depois de ser preparado convenientemente por um pajé. Para os indígenas, o amuleto trará felicidade e fortuna a quem o possuir.

O Uirapuru também inspirou a elaboração de algumas músicas populares. Uma delas foi composta por Jacobina e Murilo Latini, e interpretada por Pena Branca e Xavantinho. A letra é a seguinte:

UIRAPURU

Uirapuru, Uirapuru,
Seresteiro cantador do meu sertão;
Uirapuru, Uirapuru,
Ele canta as mágoas do meu coração.
A mata inteira fica muda ao teu cantar,
Tudo se cala para ouvir tua canção,
Que vai ao céu numa sentida melodia,
E vai a Deus em forma triste de oração.
Uirapuru, Uirapuru,
Seresteiro cantador do meu sertão;
Uirapuru, Uirapuru,
Ele canta as mágoas do meu coração.
Se Deus ouvisse o que te sai do coração,
Entenderia que é de dor tua canção,
Que nos seus olhos anda o pranto em moradia,
Que daria para salvar o meu sertão.
Uirapuru, Uirapuru,
Seresteiro cantador do meu sertão;
Uirapuru, Uirapuru,
Ele canta as mágoas do meu coração.

A melodia dessa canção pode ser apreciada nos sites: http://br.geocities.com/geprudauirapuru/cancao.htm e
http://www.boemio.com.br/uirapuru.htm.

Uma outra canção foi composta por Waldemar Henrique em 1934. Eis a sua letra:

UIRAPURU

Certa vez de montaria,
Eu descia o Paraná,
E o caboclo que remava,
Não parava de falar,
Oh, oh, não parava de falar,
Oh, oh, que caboclo falador!

Me contou do lobisomem,
Da Mãe-D’água e do Tajá,
Disse do Jurutahy,
Que se ri pro luar,
Oh, oh, que se ri pro luar,
Oh, oh, que caboclo falador!

Que mangava de visagem,
Que matou surucucu,
E jurou com pabulagem,
Que pegou o Uirapuru,
Oh, oh, que pegou o Uirapuru,
Oh, oh, que caboclo tentador!

Caboclinho, meu amor,
Arranja um pra mim,
Ando roxo pra pegar unzinho assim...
O diabo foi-se embora,
E não quis me dar,
Vou juntar meu dinheirinho,
Pra poder comprar...

Mas no dia em que eu comprar,
O caboclo vai sofrer,
Eu vou desassossegar,
O seu bem-querer,
Oh, oh, o seu bem-querer,
Oh, oh, ora deixe ele pra lá!

As lendas relativas ao Uirapuru inspiraram, inclusive, vários artistas. Em 1917, o maestro Heitor Villa-Lobos compôs um poema sinfônico baseado em material folclórico coletado em viagens pela Região Norte. Nesse material, havia a narrativa de uma lenda bem simples: uma jovem, ao ouvir o canto do Uirapuru (considerado como o rei do amor), atirou uma flecha em seu coração. E, com o transpassar da flecha, o pássaro se transformou em um belo jovem. Cabe registrar que, em 1935, o maestro Villa-Lobos fez algumas correções na partitura da música, para a sua estréia em Buenos Aires.

Por sua vez, no Pará, foi montado um espetáculo teatral onde foram utilizados materiais regionais e bonecos gigantes, inspirados nos bonecos Licocós, dos índios Carajás. No ano 2000, esse espetáculo foi premiado pelo edital de teatro da Prefeitura de Belém.

São bastante raras, contudo, as pessoas que conseguem ouvir (ou ouviram) o Uirapuru cantar. Isto se deve a alguns aspectos importantes: 1. esse pássaro canta nos galhos mais altos das matas e florestas amazônicas; 2. o canto visa atrair a fêmea para o acasalamento; 3. ele dura, somente, de dez a quinze minutos; 4. ele ocorre, apenas, ao amanhecer e ao anoitecer; 5. ele canta, unicamente, durante a construção do seu ninho (cerca de quinze dias por ano). Além disso, há que se levar em conta a caça predatória, em busca de amuletos, que vem contribuindo, sobremaneira, para o extermínio da espécie.

Por fim, cabe salientar que o Uirapuru - um pássaro tão pequeno quanto um pardal - veio enriquecer o folclore brasileiro através de lendas, mitos, crenças em seus poderes sobrenaturais, melodias, canções, sinfonias compostas em seu nome, e amuletos comercializados. Não há canto mais belo que o dele. Quando o Uirapuru se pronuncia, todos os pássaros parecem ficar enfeitiçados e param de cantar. Tudo indica que eles jamais ousariam interromper o mais raro, melodioso e sagrado dos mestres canoros.

Fontes consultadas:

ARAÚJO, Alceu Maynard. Brasil folclore: histórias, costumes e lendas. São Paulo: Editora Três, 1982.

CANÇÃO do uirapuru. Disponível em: <> Acesso em 21 ago. 2006.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos; [Brasília]: INL, 1979.

______. Lendas brasileiras: 21 histórias criadas pela imaginação do nosso povo. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s.d.

HORTA, Carlos Felipe de Melo Marques (Org.). O grande livro do folclore. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2000.

MAGALHÃES, Basílio de. O folclore no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1960.

NERY, F. J. de Santa-Anna. Folclore Brasileiro. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1992.

O uirapuru – 2001. Disponível em: Acesso em: 13 ago. 2006.

O uirapuru. Disponível em: Acesso: em 20 ago. 2006.

RIBEIRO, José. Brasil no folclore. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Aurora, 1970.

UIRAPURU. Disponível em: Acesso em: 22 ago. 2006.

UIRAPURU – pássaro. Disponível em: Acesso em: 13 ago. 2006.

UIRAPURU. Disponível em: Acesso em: 20 de junho de 2006.

UIRAPURU-Verdadeiro. Disponível em: Acesso em: 20 de junho de 2006.

VALENTE, Waldemar. Folclore brasileiro. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1979.

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

TREM DO FORRÓ

TREM DO FORRÓ

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

No Brasil, a maior parte dos trens de passageiros foi erradicada. Entretanto, no final do século XX, um programa turístico diferente passava a ser oferecido à população: o chamado Trem do Forró.

O que veio a ser isto?

No período de São João, na Estação Central, alguns trens movidos a óleo diesel eram fretados especialmente para fazer o percurso Recife-Caruaru. Os participantes ingressavam no trem bem cedinho e só retornavam à noite. Os vagões, decorados com motivos juninos, conjuntos musicais compostos por uma sanfona, um zabumba e um triângulo, se encarregavam de animar os passageiros. Quadrilhas improvisadas e muito forró, representavam um verdadeiro arraial sobre os trilhos. Quando o trem parava nas estações, as pessoas eram saudadas pelos presentes.

Ao chegar na Estação Ferroviária de Caruaru, os turistas presenciavam uma verdadeira festa: havia a queima de fogos de artifício, a apresentação do rei e da rainha do forró, de quadrilhas, de bacamarteiros, de bandas de pífanos, entre outros. Dali, posteriormente, os passageiros eram levados até o Pátio de Eventos Luiz Gonzaga, um outro local onde as apresentações continuavam.

A partir de 2001, entretanto, devido às péssimas condições da linha Recife-Caruaru, que não oferecia segurança para os passageiros, o Trem do Forró mudou o seu trajeto: passou a sair do Marco Zero, no bairro do Recife, e a percorrer, apenas, o trecho Recife-Cabo de Santo Agostinho. Ao chegar neste local, os passageiros iam para a Praça dos Eventos, ao lado da estação ferroviária, onde a festa estava sempre muito animada. E, ao retornar ao Marco Zero, todos podiam assistir aos shows de forró e de bandas de pífano, e apreciar os dançarinos vestidos em trajes de matutos.

Atualmente, existe toda uma infra-estrutura montada para atender aos participantes do Trem do Forró: cada vagão possui os seus próprios músicos, serviço de bar e segurança, havendo um vagão específico com banheiros e um departamento médico e, durante todo o percurso, dois carros vão acompanhando o trem.

Vale ressaltar que, no Estado da Paraíba, existe também um Trem do Forró. Este sai da Estação Velha, em Campina Grande, rumo ao distrito de Galante, ao som de forrós pé-de-serra, em viagem que dura uma hora e meia.

No ponto final, para acolher os participantes, há um arraial com quadrilhas e um mercado público com barracas de comidas típicas juninas. Além destas, as pessoas podem saborear algumas iguarias da culinária nordestina, tais como a buchada ou picado de bode e o arrumadinho de feijão verde. Ali, são oferecidos, ainda, passeios em carroça de burros ou em jegues. No retorno a Campina Grande, aqueles que quiserem podem se dirigir ao Parque do Povo - o principal espaço de festas de São João da Paraíba - para dar continuidade à animação.

Fontes consultadas:

TREM do forró. Disponível em: Acesso em: 11 maio 2004.

TREM do forró é uma opção recomendada. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2004.

TREM do forró entra nos trilhos para o São João 2004. Disponível em: Acesso em: 12 de maio 2004.

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

TORRE MALAKOFF

TORRE MALAKOFF

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

No porto do Recife existe uma praça que já foi chamada de Voluntários da Pátria, Arsenal da Marinha, e, hoje, é denominada Praça Artur Oscar, em homenagem a um dos generais que comandaram a campanha de Canudos. É precisamente nessa praça, no bairro do Recife, próximo ao porto, que se destaca a Torre Malakoff, um monumento que faz parte do patrimônio histórico e turístico da cidade.

A torre, construída em estilo oriental (tunisiano), foi assim nomeada pela sua semelhança com uma fortificação da península da Criméia, que funcionou como centro de defesa de Sebastopol, no ano de 1855. Neste sentido, cabe esclarecer que a guerra da Criméia foi travada no século XIX (de 1854 a 1855), entre a Rússia do czar Nicolau I, de um lado, e a França, a Turquia, a Inglaterra e Piemonte, do outro. E a Torre Malakoff de Sebastopol foi tomada por Mac-Mahon, dando aos aliados a vitória naquele conflito.

A torre recifense possui um minarete branco, em forma quadrangular, um relógio, uma pequena cúpula, ameias nos ângulos, e algumas janelas estreitas pintadas na cor azul. O monumento serviu, durante muitos anos, como observatório astronômico e sede da Capitania dos Portos em Pernambuco. Nele, há um grande portão de ferro com uma data gravada: 1853. E, em um escudo acima do portão, lê-se: 1855.

Na década de 1920, vários jornalistas liderados por Mário Melo lutaram para preservar o monumento, evitando que o Governo Federal o demolisse. Coincidentemente, do lugar onde se encontra, hoje, o busto do célebre intelectual, na avenida que leva o seu nome, é possível se avistar, ao longe, a tão imponente Torre Malakoff.

Fontes consultadas:

CAVALCANTI, Carlos Bezerra. O Recife e seus bairros. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1998.

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

TORRE (bairro, Recife)

TORRE (bairro, Recife)

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


Distribuídas por sesmarias, as terras do atual bairro da Torre ficaram abandonadas até os fins do século XVI, quando foram adquiridas por um rico colono português Marcos André, que ali fundou um engenho de açúcar, movido a animais, que passou a ser conhecido como engenho de Marcos André.

Em 1663, os holandeses apossaram-se do engenho de Marcos André, onde construíram uma grande fortaleza, capaz de atacar a artilharia do forte Real do Bom Jesus.

Com a derrota definitiva dos invasores em 1654, o então proprietário, capitão Antonio Borges Uchoa, descendente de Marcos André, restaurou o engenho, em 1655, e para melhorar a comunicação com suas terras, mandou construir uma ponte sobre o rio Capibaribe, na altura da foz do rio Parnamirim, ligando-as ao local chamado sítio Guardez, que depois da construção da ponte ficou conhecido como Ponte d`Uchoa, denominação que se conserva até hoje.

O engenho permaneceu como propriedade dos descendentes de Marcos André até 1715, quando então o seu dono Cristóvão de Holanda Cavalcanti, casado com uma Borges Uchoa, trocou-o pelo engenho Moreno, em Jaboatão, passando assim a pertencer à família Campelo, com a qual ficou até a sua extinção.

A denominação Torre provém da antiga capela do engenho, que manteve a primitiva invocação de Nossa Senhora do Rosário, tornando-se posteriormente a matriz da Paróquia. Foi reconstruída em 1781 e, em 1867, passou por uma nova e completa reforma. Em 1912, a então proprietária Laura Barreto Campelo, fez uma doação pública ao cabido de Olinda e Recife, do edifício da capela e algumas terras próximas, com a condição de que fosse a igreja-matriz do subúrbio, sob a mesma invocação de Nossa Senhora do Rosário.

A devoção por Santa Luzia, porém, cuja imagem centenária faz parte do patrimônio da matriz, fez com que ela seja hoje mais conhecida como Igreja de Santa Luzia, absorvendo sua invocação real de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo Pereira da Costa, nas primeiras décadas do século XX a povoação era toda cortada de extensas e largas ruas, muito bem alinhadas, de boa casaria em geral, com elegantes prédios e grandes sítios, e não pequena população, notando-se ainda os seus estabelecimentos industriais, como fábricas de tecidos e de fósforos, usina de açúcar e destilação de álcool, olarias mecânicas e outras que ainda seguem o sistema da antiga rotina. É iluminada a gás, tem boa viação pública, tanto terrestre como fluvial, e uma linha de bondes elétricos.

Em 1884, foi instalado no local o Cotonifício da Torre, sofrendo o bairro grande influência dessa indústria têxtil, com grande movimentação de operários e o apito da fábrica que era ouvido também nos bairros adjacentes.

Por volta de 1900, foi instalada no bairro uma fábrica de aniagem (sacos de estopa), por Francisco Sales Teixeira, que também construiu próximo um casarão para sua residência e uma vila operária. Visando dar maior movimentação e dinamismo ao local, construiu ainda, por volta de 1910, entre o casarão e a vila, o Cine Teatro Modelo. A vila, com suas casas de taipa, meia parede, porta e janela, ficava situada na Rua Vitoriano Palhares. O casarão não mais existe, porém ficava localizado no número 1472 da Rua Real da Torre. No local da antiga fábrica encontra-se hoje o supermercado Carrefour.

Na década de 1930, foi inaugurado na rua Visconde de Irajá, o Cine Torre que teve dias de grande movimentação até os fins da década de 60, quando os cinemas de bairros foram sendo desativados. Hoje, no local, encontra-se um prédio residencial chamado Edifício Cine Torre.

Próximo à Praça da Torre, atualmente denominada Professor Barreto Campelo, um dos ilustres moradores do bairro, existia o chamado Campo do Arte, um famoso campo de futebol para peladas suburbanas, do Arte Clube da Torre. Atualmente, a área do campo e suas cercanias abrigam a vila de Santa Luzia.

Em dezembro, acontece no bairro a festa de Santa Luzia, um importante evento popular, com comidas típicas, pastoril e as novenas da Matriz, realizada na atual Praça Professor Barreto Campelo. Houve época em que a rua Visconde de Irajá ficava toda iluminada até a Praça.

Na rua Regueira Costa, na área onde hoje se encontra o colégio estadual Martins Junior, havia um campo aberto onde existia uma vacaria que abastecia, com leite fresco, toda redondeza.

Fontes consultadas:

CAVALCANTI, Carlos Bezerra. O Recife e seus bairros. Recife: Câmara Municipal, 1998. p.90-93.

GUERRA, Flávio. Velhas igrejas e subúrbios históricos. Recife: Prefeitura Municipal. Departamento de Documentação e Cultura, 1960. p. 225-228.

PEREIRA DA COSTA, Francisco Augusto. Arredores do Recife. 2. Ed. autônoma. Recife: FJN. Ed. Massangana, 2001. p. 156-161.

TEJIPIÓ (bairro, Recife)

TEJIPIÓ (bairro, Recife)

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


Chama-se Tejipió, desde o século XVII, a grande extensão de terra existente na margem esquerda do rio Tejipió. Este rio nascia em um lugar chamado Manucaia, no extremo da freguesia da Várzea, município do Recife com o de São Lourenço da Mata, atravessava as terras dos engenhos São Francisco e São João, banhava o engenho Jangadinha, recebia o ribeiro Pacheco (que vinha do engenho Sucupira Torta), e atravessava as terras dos engenhos Peres, Uchoa e Ibúra. Seguia pelo Cabo, fazia uma curva para desembocar na ponte do Motocolombó, indo desaguar no mar, a leste da ilha do Nogueira, em um lugar chamado Mercatudo. Neste local, segundo a Descrição de Pernambuco de 1746, existiam quatro curtumes de sola, com 42 escravos.

De acordo com os lingüistas, o nome Tejipió provém de uma alteração da palavra tupi tejupió, uma corruptela de teyu’piog, que significa raiz de teju, uma planta que existia em abundância naquelas terras.

A localidade existia bem antes da invasão dos flamengos. Dela fazia parte um engenho de açúcar pertencente a Sebastião Bezerra. Todo o açúcar fabricado chegava ao Recife em caixas de madeira, através de pequenos barcos. Com o passar do tempo, essas caixas foram substituídas por sacos de algodão.

Depois de 1630, o engenho foi abandonado por seus proprietários e confiscado pelos holandeses, sendo vendido como uma grande fazenda a João Fernandes Vieira, em 1645. Ele, por sua vez, construiu uma bela casa para residir.

Quando foi deflagrada a luta contra os holandeses, acampou em Tejipió a tropa vinda da Bahia, sob o comando dos mestres-de-campo André Vidal de Negreiros e Martin Afonso Moreno. Essa tropa tinha se juntado ao exército independente pernambucano, na povoação do Cabo de Santo Agostinho. Foi de Tejipió, inclusive, que partiram muitos soldados valorosos para a jornada que resultou na batalha das Tabocas.

Em meados do século XVIII, das ruínas da vivenda de João Fernandes Vieira, erigiu-se uma capela sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário. De acordo com uma placa fixada na soleira da porta principal, a capela situava-se a 21,45m acima do nível médio do mar. Esse templo deu sepultura, em seu cemitério privativo, aos membros da igreja e aos filhos (até a idade de sete anos), de João Fernandes Vieira, estendendo o benefício às pessoas pobres.

Em 1819, mediante um aterro, o governador de Pernambuco, Luís do Rego Barreto, construiu uma estrada para Tejipió. Isso veio facilitar a comunicação do povoado com a cidade do Recife. A primeira estrada de rodagem, porém, que ia de Afogados até Areias, só foi construída em 1836.

Vale registrar, apenas a título de ilustração, que Castro Alves morou no Barro - caminho de Tejipió -, com Eugênia Câmara, o maior amor de sua vida. Portuguesa de nascimento e dez anos mais velha que o poeta, ela era considerada a melhor atriz do Império. Foi por ele homenageada em versos, no Teatro Santa Isabel.

Fontes consultadas:

COSTA, F. A. Pereira da. Arredores do Recife. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981.

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife: estátuas e bustos, igrejas e prédios, lápides, placas e inscrições históricas do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

GUERRA, Flávio. Velhas igrejas e subúrbios históricos. Recife: Fundação Guararapes, 1970.

TEATRO DO PARQUE

TEATRO DO PARQUE

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


O Teatro do Parque está situado na rua do Hospício, número 81, no bairro da Boa Vista, cidade do Recife. É uma construção anexa ao Hotel do Parque e bem próxima à Igreja da Boa Vista. Apesar de possuir uma fachada estreita, o terreno do teatro apresenta um alargamento após a entrada, como se, de repente, tivesse virado uma concha. Nesta concha - cujo espaço é bastante amplo - o teatro propriamente dito foi construído. O mesmo contém cadeiras de madeira para a platéia, ventiladores de teto, uma escada para o primeiro andar (também com cadeiras), e um palco - o atual cine-teatro. Na lateral direita do terreno, é possível se observar ainda um jardim a céu aberto, com inúmeras árvores, plantas, e um caramanchão antigo.

O Teatro do Parque foi edificado por um comerciante português, o Comendador Bento Luís de Aguiar, que nele investiu duzentos (200) contos de réis, e foi inaugurado pela Companhia Portuguesa de Operetas e Revistas do Teatro Avenida, de Lisboa, na noite de 24 de agosto de 1915. A referida Companhia foi ao Rio de Janeiro para apresentar a revista de costumes O 31, de Luís Galhardo.

O prédio foi construído em art-nouveau, e sua decoração entregue aos pintores Henrique Elliot e Mário Nunes. No início do século XX, os bondes circulavam pelos trilhos da rua do Hospício e paravam na frente do teatro, após o término de cada sessão noturna, para conduzir os passageiros - no caso específico, a platéia e o elenco - às suas residências ou hotéis onde se hospedavam.

Vale registrar duas informações interessantes, no tocante à história dessa casa de espetáculos. Por ocasião de sua inauguração, em primeiro lugar, as pessoas tinham que adquirir os ingressos para o teatro no bilhar do Hotel do Parque, uma vez que naquele não havia bilheterias. Segundo que, durante muitos anos, a firma A. Di Maia & Cia. arrendou o jardim e o buffet do teatro.

O Teatro do Parque possui uma pinacoteca de excelente qualidade, reunindo obras de arte de vários artistas renomados, tais como Abelardo da Hora, José Corbiniano Lins, Maria de Jesus Costa e Valdemar Chagas. Podem ser apreciados, ainda, quadros de Hélio Feijó, Baltazar da Câmara, Guita Charifker, Delano, Augusto Rodrigues, Wellington Virgulino, José Cláudio, Lula Cardoso Ayres, Lauria, Manezinho Araújo, Ladjane e Joaquim do Rego Monteiro.

No vestíbulo do teatro, estão expostas três placas contendo dados sobre a sua inauguração e suas restaurações. A primeira placa, datada de 13 de dezembro de 1959, foi uma homenagem da Prefeitura Municipal do Recife ao Comendador Bento Luís de Aguiar, que idealizou e construiu o teatro. A segunda placa, uma homenagem das instituições culturais e artísticas do Recife, agradecendo ao Comendador Bento Luís de Aguiar por ter construído a casa de espetáculos e a inaugurado no dia 24 de agosto de 1915, bem como ao Prefeito Pelópidas Silveira, que a restituiu aos recifenses, no dia 13 de dezembro de 1959. Cabe salientar que, na época, a re-inauguração do teatro ocorreu com a apresentação da peça Onde canta o sabiá, dirigida por Hermilo Borba Filho. E, finalmente, uma terceira placa, datando de 25 de janeiro de 1969, representando uma homenagem da cidade do Recife ao Prefeito Augusto Lucena, por ter realizado outras obras de restauração do teatro.

Grandes companhias brasileiras passaram pelo palco do Teatro do Parque, como as de Vicente Celestino e Alda Garrido; e foram encenadas as primeiras peças da famosa dupla Samuel Campelo/Valdemar de Oliveira.

Na época do cinema mudo, o teatro apresentava os filmes - que eram passados em uma tela - acompanhados por vários músicos. Um deles, o maestro e compositor Nelson Ferreira, se tornou famoso, posteriormente. O teatro consagrou também o cinema falado. De 1929 a 1959, o espaço foi arrendado pelo Grupo Luís Severiano Ribeiro que lançou os filmes da Disney e algumas chanchadas brasileiras.

Em um gesto bastante inovador, a Prefeitura do Recife e o Instituto Nacional do Cinema firmaram um convênio, e inauguraram no Teatro do Parque, no dia 3 de dezembro de 1973, o primeiro cinema educativo permanente do Brasil, proporcionando à população pernambucana o acesso a inúmeros filmes que não eram exibidos em cinemas convencionais e que valiam a pena ser assistidos e apreciados.

A despeito de se ter hoje, no Recife, o moderno Centro de Convenções, com novas salas de espetáculos contendo poltronas confortáveis e ar condicionado, o referido teatro continua sendo um marco na vida cultural do Estado. É precisamente nesse cine-teatro que a população menos favorecida, do ponto de vista econômico, os intelectuais, bem como muitos estudantes, ainda podem assistir a apresentações folclóricas regionais - de música, de canto, de poesia -, e ter acesso, a preços populares, a sessões de cinema, apresentações de artes cênicas e shows de diversos tipos. Hoje essa casa abriga, inclusive, a Banda da Cidade do Recife. O Teatro do Parque representa, portanto, um espaço popular emblemático que, há quase um século, vem repassando cultura e saber à população pernambucana.

Fontes consultadas:

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife: estátuas e bustos, igrejas e prédios, lápides, placas e inscrições históricas do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Dicionário histórico-biográfico brasileiro: 1930-1983. Rio de Janeiro: Forense/Universitária, 1984. v. 3 e 4.

FUNDAÇÃO de Cultura Cidade do Recife: teatros. Acesso em: 19 nov. 2002.

TEATRO DE AMADORES DE PERNAMBUCO E TEATRO VALDEMAR DE OLIVEIRA


TEATRO DE AMADORES DE PERNAMBUCO E TEATRO VALDEMAR DE OLIVEIRA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

O surgimento do Teatro Valdemar de Oliveira se confunde com a própria estória do Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP). Neste sentido, fica muito difícil falar de um, sem falar do outro. Sem sombra de dúvidas, o TAP foi uma criação do médico Valdemar de Oliveira, surgindo por acaso.

Como é que tudo isso aconteceu?

Primeiramente, o teatrólogo Samuel Campelo criou o Grupo Gente Nossa, em 2 de agosto de 1931. O Grupo foi fundado no Teatro Santa Isabel, e estreou no Recife com a peça A Honra da Tia, de sua autoria, que fez um grande sucesso. O Grupo Gente Nossa, por outro lado, estava sob a responsabilidade do Teatro Infantil, cuja primeira peça encenada foi A Princesa Rosalinda, em 26 de março de 1939. Ela foi dirigida pelo seu próprio autor, Valdemar de Oliveira.

Aproximadamente dois anos depois do surgimento do Teatro Infantil, por ocasião do centenário da Sociedade Pernambucana de Medicina, Otávio Freitas - o então presidente da entidade - chamou o médico e amigo, Valdemar de Oliveira, para uma conversa reservada: ele desejava criar uma atividade cultural para comemorar a importante data. Este último resolveu ousar e sugeriu a montagem de uma peça teatral. O presidente da entidade indagou, então, se ele não tinha se tornado insano. O médico Valdemar de Oliveira, porém, não titubeou um segundo sequer: reuniu a própria família e os amigos e encenou a peça Dr. Knock, escrita pelo francês Jules Romains.

Na época, um dos seus maiores desafios foi o combate ao preconceito. Isto porque atores e atrizes não eram bem vistos pela sociedade. Os primeiros, não tinham classificação social e, as segundas, eram consideradas como possuidoras de comportamento suspeito. Na primeira metade do século XX, ninguém aceitava que uma mulher entrasse em cena. Tampouco as representantes do sexo feminino ingressavam em universidades e trabalhavam fora do lar. E, para piorar as coisas, o teatro era considerado como uma arte baixa. Mesmo diante dessas circunstâncias, Valdemar de Oliveira jamais se intimidou: decidiu convocar somente os médicos e as suas respectivas esposas para integrar o elenco do espetáculo que se propunha a montar.

A peça Dr. Knock obtém um grande êxito artístico, social e financeiro. Dessa maneira, estava formado o Teatro de Amadores de Pernambuco, grupo que foi forjado e moldado nos ideais de Samuel Campelo, ídolo maior de Valdemar de Oliveira. A primeira plaqueta oficial do TAP, porém, datou de 4 de abril de 1941. Somente a partir daí, então, o grupo ganhou status cultural no Recife.

O TAP ficou constituído como um departamento do Grupo Gente Nossa, mas independente no que diz respeito ao elenco profissional. Mais uma vez: foi a admiração pela competência e pelo idealismo de Samuel Campelo o que fez Valdemar de Oliveira criar o Teatro de Amadores. E, desde a sua fundação, há mais de sessenta anos, já atuou no grupo, como artistas amadores, um número superior a oitocentos (800) atores e atrizes.

Em se tratando dos diretores artísticos e musicais do TAP, desde a sua criação, existe a seguinte lista por ordem alfabética: Adacto Filho, Alfredo de Oliveira, Adhelmar de Oliveira Sobrinho, Bibi Ferreira, Clenio Wanderley, Clóvis Pereira, Fernando de Oliveira, Flamínio Bollini Cerri, Geninha Sá da Rosa Borges, Graça Melo, Guedes Peixoto, Hermilo Borba Filho, Luciana Lyra, Luís de Lima, Jorge Kossowski, Milton Baccarelli, Nelson Ferreira, Raul Antônio, Reinaldo de Oliveira, Renato Phaelante, Ricardo Mourão, Rogério Costa, Valdemar de Oliveira, Valter de Oliveira, Vanda Phaelante, Willy Keler, Zbignief Ziembinski e Zigmunt Turkof.

O Teatro Valdemar de Oliveira, por sua vez, está localizado na Praça Osvaldo Cruz número 412, no bairro da Boa Vista, defronte da Sociedade Pernambucana de Medicina. Foi construído pela família Oliveira, possui quatrocentos (400) lugares e foi chamado, inicialmente, de Nosso Teatro. No salão do teatro nobre podem ser apreciadas duas telas de Murillo La Greca: um retrato do Conde da Boa Vista e um outro do engenheiro Louis Vauthier.

Em 23 de maio de 1971, o Teatro de Amadores passou a chamar o Nosso Teatro de Teatro Valdemar de Oliveira, como uma justa homenagem ao seu fundador. Além de médico e professor, Valdemar de Oliveira foi ainda advogado, higienista, musicólogo, escritor, diretor e crítico de arte.

Até hoje, o Teatro Valdemar de Oliveira mantém uma estrutura do tipo familiar. Nele, o ator não é tratado como um artifício em cena, mas como uma parte relevante do grupo. O trabalho do elenco, por sua vez, continua sendo filantrópico: todo o capital financeiro, depois de tiradas as despesas de custeio da montagem e o pagamento do pessoal fixo - secretárias, contra-regras, arquivo - é revertida para várias entidades sem fins lucrativos.

Dito de outra maneira, a receita do TAP (o seu lucro), em qualquer espetáculo que faça, conforme estabelecido no próprio estatuto, é destinada a auxiliar uma série de associações de caráter social, inclusive em vários Estados do País, tais como educandários, asilos, leprosários, cruzadas de ação social, institutos de proteção e assistência à infância, entre outras. No Recife, por exemplo, a renda do Teatro de Amadores vai para a Maternidade do Hospital Pedro II, a Sociedade de Medicina, o Abrigo Cristo Redentor, o Instituto dos Cegos e a Caixa Escolar da Escola Normal Pinto Júnior.

Embora não seja regra geral, os risos da platéia indicam que muitas dos espetáculos apresentados pelo TAP tendem a ser do tipo comédia, bem como regionalistas. Neste sentido, é importante registrar que a peça Um sábado em trinta, de Luiz Marinho, ficou vinte e nove (29) anos em cartaz. E que a peça Está lá fora um inspetor, de autoria do escritor inglês J. B. Priestley, obteve o maior número de apresentações.

O Teatro de Amadores de Pernambuco já construiu um teatro próprio, realizou cinqüenta e quatro (54) excursões, em mais de vinte e oito (28) cidades do Brasil, encenou cento e dez (110) originais, beneficiando mais de cem (100) instituições sociais. Em 1953, levou para o Rio de Janeiro, inclusive, as peças A Casa de Bernarda Alba, de Garcia Lorca, Sangue Velho, de Aristóteles Soares e Valdemar de Oliveira, e Esquina Perigosa, de J. B. Priestley. E, além desses autores, encenou obras de Molière, Tennessee Williams, Thornton Wilder, Arthur Miller, Oscar Wilde, Eugene O'Neill e Dias Gomes.

Moldado através do idealismo, o Teatro de Amadores de Pernambuco e o Teatro Valdemar de Oliveira representam marcos de suma relevância no Estado e no País, sendo respeitados por todos aqueles que amam o teatro. O TAP, por um lado, foi engendrado através de caráter revolucionário; e o Teatro Valdemar de Oliveira, por outro, é filho legítimo daquele.

Ainda insistindo em sobreviver dos ecos do passado, mantendo o estilo peculiar, os fins não lucrativos, o espírito de família, ambos conseguiram, definitivamente, um lugar na História do Brasil. O palco, por fim, para os artistas amadores do Estado, não significa apenas uma arena, um mero local de trabalho: continua sendo, tal qual bandeira desfraldada, a fonte dos seus maiores sonhos. E o Teatro Valdemar de Oliveira, abraçando a todos, a sua própria morada.

Fontes consultadas:

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife: estátuas e bustos, igrejas e prédios, placas e inscrições históricas do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

FUNDAÇÃO de Cultura Cidade do Recife: teatros. Disponível em http://www.recife.pe.gov.br/pr/seccultura/fccr/teatros.php. Acesso em: 11 nov. 2002.

SANTA CRUZ, Angélica; BENFICA, Miguel. O sucesso do TAP parece ser eterno. Veja. São Paulo, n.29, p. 6-8, jul. 1992.

OLIVEIRA, Valdemar. Teatro de Amadores de Pernambuco. Disponível em http://www.tap.org.br. Acesso em: 20 nov. 2002.

TAPIOCA

TAPIOCA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco



A mandioca (Manihot esculenta) é uma planta produtora de amido, da família das euforbiáceas, originária da Guiana Brasileira (norte do Amazonas e do Pará), do sul das três Guianas (a Britânica, a Holandesa e a Francesa) e, ainda, do sul da Bahia e nordeste de Minas Gerais. Foram os índios tupis-guaranis, que ocupavam o litoral nordestino brasileiro, os responsáveis pela difusão do uso comestível da mandioca, que, produzida através da agricultura de subsistência, representava sua base de alimentação, na época do descobrimento (mediante a fabricação dos beijus e do cauim, uma bebida muito popular entre os nativos). Em Olinda, a farinha de mandioca é consumida desde o século XVI, com a invenção portuguesa das casas de farinha.

Existem dois tipos de mandioca: a doce, mais conhecida como aipim, macaxeira ou mandioca mansa; e a amarga, chamada mandioca brava. Ambas são idênticas na aparência: apresentam uma casca parda e uma massa branca que contém um suco acre e leitoso. Este líquido, por conter uma elevada proporção de ácido cianídrico, é venenoso na mandioca brava. Entretanto, através de um processo que envolve a cocção, a planta perde toda a sua toxidade, convertendo-se em farinha ou polvilho.

Largamente utilizada na alimentação, a mandioca possui um alto valor energético e, ao mesmo tempo, um baixo teor de proteína. Por sua vez, acompanhada da carne-seca, a farinha de mandioca era o principal elemento da alimentação dos escravos africanos. Por essa razão, os senhores de engenho e os lavradores de cana, por meio de alvarás e provisões régias (datadas de 1642, 1680 e 1690) foram obrigados a cultivar o tubérculo. Decretos posteriores vieram ressaltar essa obrigação, quando daqueles exigiu-se o plantio de, pelo menos, quinhentas covas por escravo.

Ao longo do tempo, junto com o açúcar e o coco, a mandioca foi incorporada ao rol dos elementos importantes da indústria de confeitaria e da culinária brasileira. Com ela, são preparadas saborosas receitas de biscoitos, bolos, roscas, sequilhos, mingaus, pães, entre outras comidas deliciosas. E, desde o século XVII, ela tem representado um alimento significativo na mesa de nordestinos e nortistas, sendo muito utilizada na culinária junina. A mandioca - que representa o verdadeiro pão do Brasil - só não é cultivada em terras demasiado argilosas, em trechos montanhosos secos, em terrenos cheios de pedras, muito íngremes, e em baixadas com excesso de umidade.

Faz-se necessário esclarecer como se chega à goma da mandioca. O processo de extração desse elemento é bem simples. Primeiro, a raiz (previamente descascada) é ralada e espremida, dela extraindo-se um líquido leitoso. Em seguida, esse líquido é colocado para descansar em um recipiente. No fundo dele, após algumas horas, vai se depositar uma espécie de massa, que se separa da água, por completo: essa massa é a goma da mandioca. Deve-se, então, escorrer a água e colocá-la ao sol para secar. Quando ela estiver seca, deve-se esfarelá-la com as mãos e passá-la em uma peneira, para que se transforme em um pó branco e fino.

E como é que, da goma, se faz a tapioca?

A tapioca representa uma iguaria típicamente brasileira, de origem indígena, feita com o amido extraído da mandioca, conhecido como goma. Em outras palavras, originalmente, é uma espécie de beiju que possui, em seu interior, uma camada de coco ralado.

Para elaborar a tapioca, deixe aquecer bastante, em fogo brando, uma chapa de metal anti-aderente, redonda, com cerca de vinte centímetros de diâmetro, e espalhe uma camada fina de goma de mandioca sobre ela (o suficiente para cobrir o fundo da chapa) com uma pitada de sal. Com as costas de uma colher, espalhe a goma e cubra o fundo do recipiente de maneira uniforme. À medida que a chapa vai aquecendo, esse pó se aglutina, toma a forma de uma panqueca ou um crepe, e suas bordas se desprendem do fundo. Asse a tapioca por um ou dois minutos, vire-a com uma espátula e deixe-a assando por mais alguns segundos. Ainda na chapa, recheie a tapioca com coco fresco ralado ou um pedaço de queijo de coalho, dobre-a ao meio, aperte bem para transformá-la em um semicírculo (uma meia lua), coloque manteiga de garrafa sobre ela (opcional) e sirva quente.

Em alguns pontos turísticos como o Alto da Sé, na cidade de Olinda, em Pernambuco, pode-se degustar uma saborosa tapioca, feita na hora, produto que é considerado um patrimônio imaterial cultural da região. Na Sé, essa tradição teve início com uma senhora chamada dona Conceição, na década de 1970, que, para se sustentar, tornou-se tapioqueira. Nessa época, em plena ditadura militar, o local era considerado um dos pontos de agitação da contracultura, e Olinda representava o foco da resistência cultural. As tapiocas eram vendidas a estudantes, intelectuais, políticos e artistas populares e eruditos, que lá promoviam concertos e teatro de vanguarda. Com o crescimento do turismo em Olinda, atraído principalmente pelo carnaval, as tapioqueiras se multiplicaram, na cidade que é patrimônio cultural da humanidade. Hoje, elas estão até organizadas em uma Associação.

Uma das comidas típicas em Pernambuco é a tapioca molhada. De acordo com receita coletada pelo sociólogo Gilberto Freyre, tira-se o leite de um coco (com água), adiciona-se açúcar e sal (a gosto) e derrama-se esse líquido, aos poucos, sobre as tapiocas (recheadas com coco ralado), molhando-as bem. Em seguida, elas são colocadas em camadas, polvilhadas com canela, abafadas e servidas quente.

Nos restaurantes, há alguns anos, a tapioca vem atraindo a atenção de chefs de cozinha, que decidiram transformá-la em atração. Desse modo, no cruzamento de criatividades e habilidades, eles inventaram diversas receitas e recheios e reinventaram a própria tapioca. No presente, ela é um sucesso na culinária brasileira e faz parte do rol das especiarias regionais.

Os variados recheios, hoje oferecidos, dão um toque realmente especial à tapioca. Em se tratando dos doces, ou doces e salgados, é possível degustá-la, ainda, com os seguintes recheios, além do tradicional coco ralado: queijo e goaiabada, leite condensado, goiabada, morango, mel, chocolate, doce de leite, brigadeiro, doce de banana, banana com mel, banana com canela, banana com chocolate, calda de uva, goiabada com mussarela, morango com chocolate, chocolate com mussarela, queijo coalho com banana frita e canela, queijo fresco com calda de uva, banana com leite condensado e canela, leite condensado com maracujá.

Em relação aos recheios salgados, pode-se comer tapiocas com: manteiga e sal; mussarela; mussarela e catupiry; mussarela, catupiry e provolone; mussarela e chedar; mussarela e catupiry; provolone e chedar; parmesão, presunto e mussarela; presunto e provolone; presunto e catupiry; presunto, mussarela e catupiry; frango; frango e catupiry; frango e chedar; frango, mussarela e catupiry; salame e catupiry; salame e provolone; queijo fresco, queijo coalho, peito de peru e chedar; queijo fresco, peito de peru e tomate; camarão; amendoim; castanha; charque; carne de sol; entre tantas outras combinações gostosas.

De alimento básico dos índios, de tímido beiju seco feito com goma, a tapioca se transformou em deliciosa iguaria folclórica. É bastante lembrar que, no presente, existem alguns pontos comerciais na Região Sudeste voltados, apenas, para a venda dessa comida típica, e que oferecem, aos clientes, a oportunidade de provarem tapiocas com mais de cinqüenta tipos de recheios.

Fontes consultadas:

ASPECTOS da cultura e da indústria da mandioca. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 1967.

BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

BOSISIO, Arthur (Coord.) ; LODY, Raul ; MEDEIROS, Humberto et al. Culinária nordestina: encontro de mar e sertão. Rio de Janeiro: Editora Senac Nacional, 2001.

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1954.

CAMPOS, Eduardo. A gramática do paladar. Fortaleza: Casa de José de Alencar Programa Editorial, 1996.

CARPEGGIANI, Schneider. Acorda, São João! Diário Oficial do Estado de Pernambuco, Suplemento Cultural, Recife, ano 15, p. 3-4, jun. 2001.

CULINÁRIA TAPIOCA. Disponível em: . Acesso em: 1º jun. 2007.

GUSMÃO, Flávia. Oi, pisa o milho... Penerô xerém! Diário Oficial do Estado de Pernambuco, Suplemento Cultural, Recife, ano 15, p. 12-13, jun. 2001.

HORTA, Carlos Felipe de M. M. (Coord.). O grande livro do folclore. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2000.

LIMA, Claudia. Tachos e panelas: historiografia da alimentação brasileira. Recife: Edição da Autora, 1999.

MACHADO, Clotilde de Carvalho. Quindins de Yayá. Recife, [1978].

MORAES FILHO, Mello. Festas e tradições populares do Brasil. Rio de Janeiro: Livreiro; Paris: H. Garnier, [19--].

RECEITAS. Disponível em: . Acesso em: 1º jun. 2007.

RECEITAS para São João. 4. ed. Salvador: Federação das Indústrias do Estado da Bahia/ SESI/ FIEB, Artesanato, [19--].

SOUTO MAIOR, Mário. Comes e bebes do Nordeste. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 1984.

______. Alimentação e folclore. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2004.

TAPIOCA. Disponível em: . Acesso em: 1º jun. 2007.

TAPIOCA é reconhecida como patrimônio imaterial. Disponível em: . Acesso em: 1º jun. 2007.

VAINSENCHER, Semira Adler. Mandioca. Disponível em: . Acesso em: 4 jun. 2007.

_____________. Culinária junina. Disponível em: . Acesso em: 4 jun. 2007.

VALENTE, Waldemar. Folclore brasileiro: Pernambuco. Rio de Janeiro: MEC, Funarte, 1979.

SUAPE - PORTO E COMPLEXO INDUSTRIAL

SUAPE - PORTO E COMPLEXO INDUSTRIAL

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


Antes de falar do Complexo Industrial-Portuário de Suape, faz-se necessário discorrer um pouco sobre a descoberta do Cabo de Santo Agostinho, que fica situado no perfil do mapa de Pernambuco, e alguns outros dados históricos referenteS ao mesmo. Segundo os registros que remetem aos tempos do descobrimento da América, no dia 26 de janeiro de 1500, Vicente Yanez Pinzón, um dos companheiros de viagem de Cristóvão Colombo, foi o primeiro europeu a chegar no local, três meses antes do próprio Pedro Álvares Cabral. Pinzón chamou a nova terra descoberta de Santa Maria de la Consolatión, em homenagem à santa protetora das embarcações, hoje denominado Cabo de Santo Agostinho. Trata-se de um local belíssimo, que se encontra a 40 km ao sul da cidade do Recife.

No dia 28 de outubro de 1580, foi instituído o morgado de Nossa Senhora da Madre de Deus do Cabo de Santo Agostinho, vinculando-se a ele o engenho Madre de Deus que, posteriormente, foi chamado de Engenho Velho. Na época, o povoamento da área compunha-se de algumas casas distantes umas das outras.

Cabe ressaltar que Suape era o nome de um ancoradouro existente na ilharga do Cabo, que ficava separado do mar por um cordão de recifes de arenito. Em sua extremidade norte, no qual desembocavam três rios importantes - o Massangana, o Tatuoca e o Ipojuca - uma muralha de aproximadamente 800 metros permitia o acesso de pequenas embarcações. Quando somente os índios viviam ali, o atual rio Massangana era chamado de Suape - que, em tupi, significa caminho incerto - devido à própria trajetória incerta desse rio. Desde o começo da civilização, então, por seu alto valor estratégico, a posição do Cabo de Santo Agostinho e a configuração das regiões adjacentes deram margem à utilização do estuário de Suape como base de infra-estrutura portuária, bem como à disputa de holandeses e portugueses pelo seu domínio, em grandes batalhas. Desde sempre, portanto, aquele estuário exerceu funções econômicas e estratégicas.

No século XVII, quando os holandeses fortificaram um reduto do Cabo de Santo Agostinho, o conde Bagnoli construiu uma fortaleza nas imediações, para proteger o porto de Santo Agostinho. A mesma, chamada depois de Nazaré, foi uma edificação inútil porque não conseguiu defender o lugar nem a barra. Posteriormente, mudaram o seu nome para Forte de Nazaré e Forte do Pontal de Nazaré. Era desse porto que os pernambucanos embarcavam os seus produtos e recebiam provisões e socorros da Europa e das demais capitanias, além de desembarcarem os escravos africanos. Na localidade, ainda é possível se apreciar as ruínas daquele Forte.

Em 1635, a área capitulou: os portugueses perderam o domínio do porto de Santo Agostinho e abandonaram o território da Capitania. Somente em 1646, o porto retomou as suas funções de apoio à Insurreição Pernambucana. Por ele, passaram uma caravela (repleta de armas, munições e mantimentos) e quatro pesados navios ingleses que abasteceram os restauradores. Entre outros, a disputa também terminou quando Vidal de Negreiros mandou obstruir a barra do porto com pedras. Depois disso, e até meados do século XIX, por ali só navegaram pequenos barcos e jangadas.

Um outro espaço, por sua vez, foi se formando no Cabo de Santo Agostinho, a partir da substituição da Mata Atlântica pela cultura da cana-de-açúcar, fazendo predominar, na região, a atividade econômica da agroindústria açucareira. Através dessa atividade, começou a verdadeira colonização daquelas terras, assim como a implantação das usinas. A vila do Cabo de Santo Agostinho foi criada por força do alvará de 27 de julho de 1811, e da Provisão Régia de 15 de fevereiro de 1812. Só a partir de 9 de julho de 1877 a cidade tomou o nome de Cabo de Santo Agostinho.

Durante muito tempo, e na maior parte do século XX, o distrito industrial de Pernambuco concentrou-se no município do Cabo, na Região Metropolitana do Recife, porque a capital do Estado não dispunha de um espaço adequado para tal finalidade. O crescimento das regiões urbanas, entretanto, veio provocar uma maior sobrecarga no Porto do Recife, o que contribuiu para se pensar em alternativas portuárias ao sul do litoral. O recôncavo do Cabo de Santo Agostinho, e uma área ao seu redor, foram escolhidos como a melhor e mais próxima opção.

Em 1973/1975, o Governo de Pernambuco concebeu um Plano Diretor e deu início à luta pela implantação de um Complexo Industrial-Portuário no Cabo de Santo Agostinho, uma vez que a própria posição geográfica do Estado, no centro da Região Nordeste, facilitaria a implantação do Porto de Suape. Levou-se em consideração, ainda, três elementos fundamentais: 1. a pouco mais de 1 km do cordão de arrecifes, junto à linha da costa, a localidade possuía águas com profundidade de 17 metros; 2. havia um quebra-mar natural formado pelo cordão de arrecifes; e, 3. existiam na região extensas áreas reservadas à implantação de um grande parque industrial.

Além de tudo isso, Suape localizava-se a, apenas, oito horas das rotas internacionais dos grandes transportadores dos Estados Unidos e da Europa. Desse modo, através da Lei no. 7.763/78, no dia 7 de novembro de 1978, criou-se a empresa Suape Complexo Industrial Portuário. A área destinada ao Complexo abrangia a faixa litorânea entre o rio Jaboatão e a praia de Porto de Galinhas, compreendendo parte dos municípios de Cabo e de Ipojuca.

Para que o mega empreendimento pudesse se concretizar, foram desapropriados cerca de 13.500 hectares de terras. As operações do Porto de Suape tiveram seu início através do Píer de Granéis Líquidos, que foi arrendado à Petrobras, em abril de 1984, quando foi realizado o primeiro embarque de álcool. Nesse mesmo ano, um molhe em pedras foi construído, com o objetivo de proteger a entrada interna do porto. Com a bacia formada depois do molhe, foi implantada a primeira oferta portuária. Ela constou de duas instalações de acostagem de navios - o chamado Píer de Granéis Líquidos (PGL) e o Cais de Múltiplos Usos (CMU). Três anos depois, em 1987, o Parque de Tancagem de Derivados de Petróleo do Porto do Recife foi transferido para Suape; e, em 1991, o Cais de Múltiplos Usos (CMU), que movimenta cargas de conteiners, entrou em operação.

A regularização da situação jurídico-institucional do Porto de Suape, junto ao Governo Federal, por outro lado, efetivou-se mediante o Departamento de Transportes Aquaviários da Secretaria Nacional de Transportes, no ano de 1992. Isso permitiu ao Governo de Pernambuco explorar, comercialmente, aqueles serviços portuários.

Em 1999, ocorreu a construção da primeira etapa do chamado porto interno - 935 metros de cais e profundidades de até 15,5 metros. Dois anos depois, iniciou-se a segunda etapa de construção, através da dragagem de mais de 1 milhão e 300 mil m3. Em seguida, o canal de navegação foi ampliado em mais 450 metros, o que possibilitou a edificação do Cais 4. Em 2002, para atender às novas demandas, empreendeu-se a duplicação da avenida portuária (uma extensão de 4,4 km), e a construção do 1º. Prédio da Central de Operações Portuárias de Suape. No ano seguinte, o Porto recebeu, da Food and Drug Administration (FDA), do Governo dos Estados Unidos, um certificado atestando o seu cumprimento da lei contra o bioterrorismo.

No ano de 2004, foi instalada a Emplal, uma indústira de embalagens plásticas por termoformagem, e inaugurado, também, o Centro de Treinamento do Complexo Industrial Portuário de Suape, um empreendimento voltado para o atendimento dos funcionários das empresas instaladas no Porto, e das comunidades que vivem em suas imediações. Em 2005, foi assinado um acordo entre a Petrobrás e a empresa Petróleos da Venezuela S. A. no sentido de se instalar, em 2007, uma refinaria de petróleo, capaz de processar 200 mil barris de petróleo por dia, de gerar aproximadamente 10 mil empregos durante a sua construção e, ao ser concluída, de abrigar 1,5 mil trabalhadores.

Presentemente, Suape representa o pólo industrial mais completo do Nordeste do Brasil, recebendo, distribuindo e exportando matérias primas, insumos básicos e produtos finais, além de ser incluído entre os 11 portos prioritários do País, e a principal alternativa para o transporte de cargas de e para toda a costa atlântica da América do Sul, com baixos custos de fretes. Além de contar com a presença de mais de setenta empresas (instaladas ou em fase de implantação), possui, ainda, um porto externo, um porto interno, alguns terminais de granéis líquidos, um cais de múltiplos usos, e um terminal de contêineres. Com 16,5 metros de profundidade, o Porto atende a navios de grande porte, movimentando, anualmente, mais de 5 milhões de toneladas de carga, a exemplo de granéis líquidos (derivados de petróleo, álcool, produtos químicos, óleos vegetais, e outros) e cargas conteinerizadas. O Porto possui eficazes sistemas viários, de suprimento de energia elétrica, de abastecimento d´água e de telecomunicações, e realiza, inclusive, as operações de transhipment - que consistem na transferência de cargas, de navios de grande porte, para as instalações portuárias, e o seu posterior reembarque em navios menores.

O Complexo Industrial-Portuário de Suape possui mais de 6.000 hectares sob proteção ambiental e, entre as empresas já instaladas ou em fase de instalação, estão a Aluminic Industrial S/A, a Bonesa Borracha S/A, a Cimec - Cia. Industrial e Mercantil de Cimentos, a Concreto Redimix do NE S/A, a Copagás Distribuidora de Gás Ltda., a Esso Brasileira de Petróleo S/A, a Granex – Granitos de Exp. do NE Ltda., a Indústria de Caixas Plásticas do NE Ltda., a Pedra Cerâmica Santo Antônio S/A, a Petrobrás Distribuidora S/A, a Refresco Guararapes Ltda. (Coca-Cola), a Shell do Brasil S/A, a Termo Fértil S/A, a Transportadora Cometa, e a Work Mariner Ltda.

Por fim, cabe registrar que o Porto de Suape, um dos mais importantes do mundo, opera navios em todos os dias do ano, independentemente dos horários das marés, e dispõe de um sistema de monitoração de atracação de navios a laser, que proporciona um controle mais seguro, tanto para as pessoas quanto para os seus carregamentos.


Fontes consultadas:

ANDRADE, Gilberto Osório de; LINS, Rachel Caldas. Pirapama: um estudo geográfico e histórico. Recife: Editora Massanganam 1984.

BRAGA, João. Guia turístico, histórico e cultural. Recife: Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, 2000.

CAVALCANTI, Carlos Bezerra. O Recife e seus bairros. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1998.

FORMAÇÃO histórica e geográfica do cabo. Cabo: Departamento de Estudos Sociais, Secretaria de Educação, Prefeitura Municipal do Cabo, 1988.

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

JORGE, José . Suape, a retomada do desenvolvimento. Brasília: Senado Federal, 2000.

KATER, Maria das Graças L.; BARROS, Maria de Lourdes Osório de. O processo de transferência dos agricultores situados na área de Suape, pertencentes à Cooperativa de Tiriri. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 6, 1985, Garanhuns, PE. Anais. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1985.

LINS, Rachel Caldas. O cabo e as revoluções pernambucanas. Ciência e Trópico Recife, v. 9, n. 1, p. 67-95, jan./jun. 1981.

MOTTA, Roberto. O povoado de Suape: economia, sociedade e atitudes. Recife, Revista Pernambucana de Desenvolvimento, v. 6, n. 2, p. 209-247, jul./dez. 1979.

O Complexo de Suape. Rio de Janeiro, PlanejamentoP&Ddesenvolvimento, na. 5, n. 56, jan. 1978.

SUAPE: Complexo Industrial Portuário. Disponível em: . Acesso em: 12 jan. 2006.

SUAPE, ecologia e cultura. Recife: Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco/Secretaria de Planejamento/Governo do Estado de Pernambuco, 1978.