quarta-feira, 20 de maio de 2009

PIMENTA

PIMENTA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

A pimenta é um ingrediente antigo e muito utilizado pelas culinárias africana e indígena. Tanto os índios nativos do país, quanto os negros africanos que vieram como escravos consumiam pimentas em abundância. Os primeiros comiam-nas secas ou piladas, juntamente com farinha de mandioca (quya). Com a chegada dos escravos africanos ao Nordeste do Brasil – a primeira Região a ser ocupada pelos colonizadores – o consumo de pimentas foi incrementado. A nobreza e o clero apreciaram muito a pimenta brasileira – a Capsicum – que, por ser mais suave, passou a ser preferida e exportada para Portugal.

As cozinhas dos engenhos, dirigidas por européias e conduzidas por escravas africanas, herdaram vários aspectos da indígena. Para acentuar o sabor dos alimentos, e também porque o sal e o açúcar eram produtos muito valiosos, as mulheres utilizavam temperos locais como o coentro, a salsa e a pimenta indígena (Capsicum). Por mais estranhos que fossem ao paladar dos portugueses, eles precisavam se adaptar aos novos gostos dos temperos brasileiros.

O grande disseminador (ou plantador) das pimenteiras é o sabiá, um pássaro que come os frutos e espalha as sementes, através dos seus excrementos. Desse modo, ele semeia a Capsicum por onde passa.

A substância química que proporciona o caráter ardido e o sabor picante das pimentas – a capsaicina – causa a liberação de endorfinas e, conseqüentemente, uma sensação muito agradável de bem-estar.

De acordo com Pereira da Costa apud Cascudo (1954)

O nome vulgar piperAcea, empregado naquelas acepções, vem do seu sabor ardente e abrasador, principalmente a pimenta vulgarmente chamada de cheiro (Capsicum adoriferum, Vell.); a cumary, a quiya comari, tupinico, segundo Marcgrave; e a malagueta (Capsicum baccatum, Linn.) que, segundo Almeida Pinto, é a querija-apuá dos índios. Além destas espécies de pimenta existem outras igualmente cultivadas, nomeadamente as que são assim chamadas: ‘Olho-de-peixe, tripa-de-macaco e umbigo-de-tainha’. À solonacea, com o nome vulgar de pimentão, pelo grande desenvolvimento a que atinge, davam os índios o nome de quiyá açu, pimenta grande. Pimenta-do-reino (Piper nigrusu, Linn.), originária da Índia, mas assim chamada para a distinguir das espécies indígenas, e mesmo porque vinha por intermédio da metrópole, o reino de Portugal. Cultivada no extinto Jardim Botânico de Olinda, foi propagada, mas a sua cultura não vingou. O uso geral da pimenta nas refeições de carne e peixe, sendo nestas particularmente empregada a de cheiro, em molho forte, picante, chamado da mulata, ou fraco, pouco ardente, chamado de viúva, vem dos índios, do seu yquiataia, a pimenta seca ao sol, reduzida a pó, e misturada com sal, como ainda se usa, porém pisada, misturadamente, com a farinha de mandioca, e assim pulverizada no anguzô e no bobó.

O folclorista (CASCUDO, 1954) afirma que, na África Oriental, Central, Meridional, Ocidental, a pimenta coincide com todos os paladares negros no tempo e no espaço. Quase tudo quanto se come na África obriga a presença queimante da pimenta, nos próprios doces. No mercado público de Cabinda provei uma bebida feita com pimentas, possível irmã da beberagem caiapó em Goiás. Na totalidade dos alimentos negros sente-se o ardor inconfundível.

No Brasil são cultivadas várias espécies de pimentas. Os frutos da popular malagueta são vermelhos, altamente picantes, alongados, medindo entre 1,5 e 3,5 cm de comprimento. A cumari é picante e ligeiramente amarga, oval, vermelho-escuro, e possui menos de 1 cm de diâmetro. A pimenta biquinho é arredondada, vermelha, tem a ponta em forma de bico e gosto suave. Os frutos da pimenta dedo-de-moça são alongados, avermelhados, e sabor mais suave que a malagueta. A pimenta caiena pode ser verde ou avermelhada, é alongada e tem ardência forte, sendo muito empregada na cozinha mexicana. A pimenta cambuci é verde-clara, achatada, doce e suave, e possui de 5 a 7 cm de diâmetro. Também são produzidas no país, entre outras, as pimentas doce americana, chapéu de bispo, bode, e pimenta-de-cheiro.

O prato preferido pelos brasileiros - a feijoada misturada à farinha de mandioca - é sempre regado com molho de pimenta: ele a acompanha e incrementa seu sabor. São os molhos de pimenta que temperam, inclusive, a buchada, o mocotó, a rabada, o caruru de quiabos, a moqueca, a dobradinha, a galinha de cabidela e o sarapatel, pratos típicos da cozinha baiana e pernambucana.

Em relação à pimenta-de-cheiro, a Embrapa Amazônia Oriental vem desenvolvendo pesquisas visando recuperar as características originais dessa planta, porque ela vem perdendo, aos poucos, seu cheiro, cor e tamanho usual, em decorrência de cruzamentos com outras espécies de pimenteiras.

Muitas pessoas acreditam que a capsaicina possui propriedades medicinais. Neste sentido, comem pimentas e/ou bebem seu chá visando cicatrizar feridas, dissolver coágulos sanguíneos, prevenir hemorragias e arteriosclerose, controlar o colesterol e aumentar a resistência física.

As pimentas são indicadas pela Medicina Popular para curar:
* dor de dente;
* desmaios ou vertigens;
* eczemas;
* doenças venéreas e afecção das vias urinárias;
* regras menstruais dolorosas;
* perda de apetite, rouquidão e tosse (SOUTO MAIOR, 2004).

Uma pessoa esperta, viva, buliçosa, assim como uma mulher ardente e libidinosa são chamadas, popularmente, de pimenta (PEREIRA DA COSTA apud CASCUDO, 2004).

A pimenta-do-reino (Piper nigrum L.) é uma planta trepadeira originária da Índia, tendo sido introduzida no Brasil no século XVIII, durante o reinado de D. João VI, e popularizada com a imigração japonesa para o Estado do Pará, na primeira metade do século XX. O clima úmido e quente da região se mostrou favorável ao cultivo dessa pimenteira que, séculos atrás, era chamada ouro negro. Ela pertence a um gênero diferente de pimenta e a substância causadora de sua ardência se chama piperina. A pimenta-do-reino é muito utilizada na culinária brasileira, servindo para temperar carnes assadas e guisadas, legumes, patês, conservas e vinha-d’alhos. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de pimenta-do-reino, exportando, em média, 45 mil toneladas por ano, para a Europa e os Estados Unidos.

Fontes consultadas:

ARAÚJO, Alceu Maynard. Brasil folclore: histórias, costumes e lendas. São Paulo: Ed. Três, 1982.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1954.

CASCUDO, Luís da Câmara. História da alimentação no Brasil. 3. ed. São Paulo: Global, 2004.

CASCUDO, Luís da Câmara. Lendas Brasileiras: 21 histórias criadas pela imaginação do nosso povo. Rio de Janeiro: Ediouro, [19--?]

HORTA, Carlos Felipe de Melo Marques (Org.). O grande livro do folclore. Belo Horizonte: Ed. Leitura, 2000.

LIMA, Claudia. Tachos e panelas: historiografia da alimentação brasileira. Recife: Ed. da Autora, 1999.

PIMENTA. Disponível em: . Acesso em: 3 set. 2008.

PIMENTA (Capsicum spp.) Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2008.

PIMENTA-do-reino. Disponível em: . Acesso em: 3 set. 2008.

PIMENTA-do-reino. Disponível em: . Acesso em: 3 set. 2008.

PIMENTA malagueta. Disponível em: . Acesso em: 3 set. 2008.

PIMENTA malagueta. Disponível em: . Acesso em: 3 set. 2008.

PRIMEIRO Nacional do Agronegócio Pimentas (Capsicum spp.) - I Mostra Nacional de Pimentas e Produtos Derivados. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2008.

PRODUÇÃO de pimenta-de-cheiro. Disponível em: . Acesso em: 3 set. 2008.

RIBEIRO, José. Brasil no folclore. Rio de Janeiro: Ed. Aurora, 1970.

SOUZA, Osvaldo Martins Furtado de. “Coisas e fatos” de nosso mundo rural. Recife: UFRPE/CODAI/Associação dos Amigos da Rural, 2000.

SOUTO MAIOR, Mário. Alimentação e folclore. Recife: FundaJ, Ed. Massangana, 2004.

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