sexta-feira, 22 de maio de 2009

PATATIVA DO ASSARÉ

PATATIVA DO ASSARÉ

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco



Segundo filho de pequenos proprietários rurais do sertão do Cariri, Antônio Gonçalves da Silva, chamado de Patativa do Assaré, nasceu no dia 5 de março de 1909, na Serra de Santana, uma localidade situada a dezoito quilometros do município de Assaré, ao sul do Estado do Ceará.

Em conseqüência de uma doença, Antônio perdeu o olho direito aos quatro anos. Aos oito anos de idade, depois da morte do seu pai começou a trabalhar na pequena agricultura familiar.

Cursou quatro meses de escola, apenas, mas conseguiu se alfabetizar aos doze anos, através do manual do aluno sertanejo, uma cartilha de Felisberto de Carvalho. Ressaltava sempre: Eu aprendi com a natureza que é caprichosa. Sua mãe sempre lhe contava estórias e canções populares, e seu irmão mais velho gostava de ler os folhetos de literatura de cordel, vendidos nas feiras. Irrompeu-lhe, dessa forma, o veio poético.

Amante ardoroso da leitura, Antônio entrou em contato com as obras de alguns poetas importantes, como Olavo Bilac, Castro Alves e Carlos Drummond de Andrade. Leu, também, vários escritores clássicos, como Graciliano Ramos, Machado de Assis, e, até mesmo, o poeta português Luis Vaz de Camões. Sobre isto, ele falava: Eu li Camões, eu sou atrevido.

Na adolescência, convenceu a mãe a vender uma ovelha para que pudesse comprar uma viola de dez cordas. Com o instrumento musical, começou a fazer improvisações pelas redondezas, se apresentando em aniversários, comemorações de santos, festas de casamentos, entre outras datas importantes. É ouvindo os folhetos de cordel que Antônio teve a certeza de poder criar poesias.

O pseudônimo Patativa surgiu quando um escritor cearense - José Carvalho de Brito -, fez uma alusão dos versos do poeta à pureza do canto da patativa, um pássaro do Nordeste brasileiro. Além disso, para destacar Antônio Gonçalves da Silva, como o poeta popular de toda a região, adicionou-lhe, ainda, o nome Assaré.

Em 1936, Patativa casou-se com Belarmina Paes Cidrão, a dona Belinha, e com ela teve nove filhos, dois morreram, ficaram três mulheres e quatro homens. Foi morar na Rua Coronel Pedro Onofre, em Assaré, onde comprou uma casa perto da igreja-matriz, porque sua esposa era muito religiosa.

Certa vez, tendo se apresentado na Rádio Araripe, recebeu um convite de um de seus ouvintes - José Arraes de Alencar - para intermediar a publicação de suas obras junto a uma editora do Rio de Janeiro. Em 1956, surgiu a primeira edição do seu livro: Inspiração nordestina. A antologia fez bastante sucesso e, em 1966, foi tirada uma segunda edição, enriquecida por novos textos: Cantos da Patativa. O poeta viajou para o Rio de Janeiro, permanecendo, lá, quatro meses.

Outra coletânea de versos foi publicada em 1970, através do professor José de Figueiredo Filho, que escreveu, inclusive, alguns comentários sobre Patativa do Assaré. Em 1978, a Editora Vozes publicou seu livro Canta lá que eu canto cá. E, em 1988, lançou uma nova antologia de textos - Ispinho e Fulô - sob a direção de Rosemberg Cariry. Quando completou 86 anos, a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, em sua homenagem, publicou uma nova coletânea de textos: Aqui tem coisa.

Sobre as filhas tão queridas, ele escreveu:

Minhas filhas eu vejo que são três
e cada qual é da beleza irmã
se eu quero Lúcia, muito quero Inês
da mesma forma quero Miriam.
Vendo a meiguice da primeira filha
vejo a segunda que me prende e encanta
a mesma estrela que reluz e brilha
se olho a terceira, vejo a mesma santa.
Se a cada uma com fervor venero
fico confuso sem saber das três
qual a mais linda e qual eu mais quero
se é Miriam, se é Lúcia ou se é Inês.
E, já velho, a pensar de quando em quando
eu brevemente voltarei ao pó
eu sou feliz e morrerei pensando
que as três filhas que eu tenho é uma só.

Devido à sua prodigiosa memória, desde cedo, Patativa do Assaré descobriu sua vocação poética, porém retinha tudo na mente, pouco escrevendo. Enalteceu a prática da leitura. Afirmou gostar de ler pelo simples prazer de aprender: com a prática de ler a gente vai descobrindo e sabe que nem pode dizer tu sois e nós é.

Luiz Gonzaga gravou dele a música A triste partida. O poeta admirava muito o grande cantor nordestino, e salientava que ele jamais mudara a linguagem cabocla, apesar de conviver com uma classe social privilegiada.

Patativa foi um agricultor que trabalhou com as mãos na enxada, produziu milho, feijão, mandioca, macaxeira, e enfrentou os mesmos dramas dos demais sertanejos, com uma diferença: produziu poesia e elaborou a rima métrica em sua própria memória. Ele discorreu sobre a seca, a reforma agrária, o sertão, a política, o cotidiano, enaltecendo uma sociedade mais justa e solidária. Chegou a ser perseguido pela Ditadura Militar, que governou o Brasil depois do Golpe de 1964. Em uma parte do poema O Agregado e o Operário ele declarou:

...Sou poeta agricultor
do interior do Ceará
a desdita, o pranto e a dor
canto aqui e canto acolá
sou amigo do operário
que ganha um pobre salário
e do mendigo indigente
e canto com emoção
o meu querido sertão
e a vida de sua gente.

Patativa criou também o poema Emigração e as conseqüências, onde ressalta:

A fome é o maior martírio
Que pode haver neste mundo,
Ela provoca delírio
E sofrimento profundo
Tira o prazer e a razão
Quem quiser ver a feição
Da cara da mãe da peste,
Na pobreza permaneça,
Seja agregado e padeça
Uma seca no Nordeste.

Patativa do Assaré publicou seis livros: Inspiração nordestina, Cantos de Patativa; Cante lá que eu canto cá, filosofia de um trovador nordestino; Ispinho e fulô; Aqui tem coisa; Cordéis Juazeiro do Nordeste e Balceiro. Todas essas obras foram publicadas com incentivos de seus próprios admiradores.

O poeta sertanejo foi homenageado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), participou da luta pela Anistia, chegou a ganhar comendas e o título de Doutor Honoris Causa em quatro universidades, foi difundido pelos meios de comunicação de massa, e tornou-se amigo de Darci Ribeiro. Sua obra rendeu inúmeros estudos em universidades brasileiras, além de teses acadêmicas na Sorbonne (França). Mesmo cego, jamais deixou de produzir.

Ao completar 90 anos, o município presenteou-lhe o Memorial Patativa do Assaré. O prédio tem três pavimentos, 489,90 m2 de área construída, e contém salas de vídeo, de exposições, biblioteca, cantina, auditório com capacidade para oitenta e oito pessoas, entre outros. Todo esse acervo vem sendo gerido pela Fundação Memorial Patativa do Assaré.

Sobre a velhice, escreveu Réplica de um Cabelo Branco:

A um cabelo branco de vergonha
lhe disseram os pretos
não se oponha
você nos causa um sofrimento atroz
se retire, saindo da cabeça
e o mais breve daqui desapareça
não queremos você perto de nós.
O bom cabelo, muito inteligente
tendo tudo gravado em sua mente
julgando a vida do começo ao fim
falando sério contra a rebeldia
com a verdade da filosofia
para os pretos cabelos disse assim:
‘a natureza é protetora e franca
e quando ela me deu essa cor branca
um grande insulto cada qual me fez
mas cada um será bem castigado!
pois mereço ser muito respeitado!
sou começo da estrada de vocês!’

Registrou, ainda:

Conheço que estou no fim
e sei que a terra me come
mas fica vivo o meu nome
para os que gostam de mim.

O canto de Patativa do Assaré se extinguiu no dia 8 de julho de 2002. Após a falência múltipla dos seus órgãos, o mais famoso poeta popular nacional, aos 93 anos de idade, descansou em paz. Bem antes de partir, entretanto, já havia se tornado um imortal.

Fontes consultadas:

ASSARÉ, Patativa. Digo e não peço segredo. São Paulo: Escrituras, 2001.

CARVALHO, Eleuda. Cantiga de pé-quebrado ao poeta passarinho. Continente Multicultural, Recife, a.2, n. 20, p.34-35, ago. 2002.

CARVALHO, Gilmar de. Patativa do Assaré: poesia, profecia e performance. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 30, n. 1/2, p.28-36, 1999.

______. Aboio para o poeta camponês. Continente Multicultural, Recife, a. 2, n. 20, ago. p. 32-33, 2002.

ODE à metrica e à rima. O Povo, Fortaleza, 3 mar. 1999. Caderno Vida & Arte, p. 6B.

PATATIVA do Assaré: uma voz do Nordeste. Introdução e seleção Sylvie Debs. São Paulo: Editora Hedra, 2001.

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

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