quarta-feira, 20 de maio de 2009

MANUEL BANDEIRA (poeta)

MANUEL BANDEIRA (poeta)

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco



Um dos maiores poetas brasileiros, Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu no Recife, Pernambuco, no dia 19 de abril de 1886, filho de Manuel Bandeira e Francelina Ribeiro de Souza. Além de poeta, ele foi ainda professor, jornalista, inspetor, tradutor e crítico literário.

Manuel Bandeira viveu apenas o primeiro ano de sua vida no Recife, e logo se mudou para as cidades de Petrópolis e Rio de Janeiro, no Estado do Rio de Janeiro. Algum tempo depois, ele retorna ao Recife, onde também residia seu avô Teotônio Rodrigues (na Rua da União, número 263), ali permanecendo por mais quatro anos - dos seis aos dez anos de idade. O poeta confessava sempre, porém, que as suas raízes mais profundas estavam fincadas em Petrópolis e, não, no Recife.

Regressando ao Rio de Janeiro, Manuel Bandeira estudou no Colégio Pedro II. Em 1903, ele se matriculou no curso para a formação de engenheiro-arquiteto, na Escola Politécnica de São Paulo. Contudo, devido à aquisição de uma grave doença pulmonar no final da adolescência, teve que abandonar os estudos e cuidar da saúde por anos a fio.

Como, naquela época, a tuberculose era considerada uma enfermidade estigmatizante - por ser contagiosa e incurável -, o doente via-se forçado a vivenciar uma dolorosa solidão, ou seja, ficar isolado das pessoas sadias. Ver-se condenado à privação de tudo o que caracteriza a vida de um jovem, representou o fim de muitos sonhos para o jovem Manuel Bandeira. Ele aprendeu, porém, a conviver com a sua doença e acumulou um vasto conhecimento sobre ela. A condição de doente, portanto, contribuiu para que o futuro poeta administrasse a realidade, suportando-a e superando-a, e que desenvolvesse suas habilidades artísticas e intelectuais, e aprimorasse a técnica da arte poética. Neste sentido, face às limitações e barreiras que o destino lhe impôs, Manuel Bandeira decide assumir um compromisso definitivo com a poesia.

Sem perder a esperança, o seu pai deu início a uma longa peregrinação em busca da cura do jovem tísico. Levou-lhe primeiro para Campanha, no Estado de Minas Gerais, onde Bandeira viveu de 1905 a 1906. Tendo que enfrentar uma vida itinerante em busca de uma melhora na saúde, ele se dirige em seguida para a cidade de Teresópolis, no Estado do Rio de Janeiro, lá residindo de 1906 a 1907. Durante dois anos seguidos - de 1907 a 1908 - esteve nas cidades de Quixeramobim, Uruquê e Maranguape, no Estado do Ceará. Os constantes deslocamentos à procura de um clima apropriado para tratar a tuberculose, influenciaram não apenas a maneira pela qual o futuro poeta viveu, mas também a forma como ele compreendeu o mundo.

Ele viaja para a Suíça em 1913, a mando da família, internando-se no Sanatório de Clavadel por quinze meses. Foi lá que Manuel Bandeira tomou ciência do caráter definitivo de sua doença. Como não existia possibilidade de cura na época, o jovem teve que aprender através da disciplina as regras de convivência com o mal contraído. Dedicou-se à leitura e ao estudo, bem como ao aprendizado de violão - seu grande companheiro. Tendo permanecido cinco anos na Suíça, Manuel Bandeira pôde aprender fluentemente a língua alemã e conhecer bastante a arte e a cultura européias. Alimentando sempre a esperança de cura, mesmo nos períodos mais dolorosos de sua vida o poeta jamais se deixou assaltar pelo sentido do puramente trágico. Muito pelo contrário: ele desenvolveu uma extraordinária produção poética, reestruturando a sua identidade e empreendendo, assim, uma forma de diálogo com o mundo circundante, sem faltar nela o bom humor. O seu poema Pneumotórax é bastante elucidativo neste sentido.

Febre, hemoptise, dispnéia, suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi:
tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
Diga trinta e três.
Trinta e três, Trinta e três... Trinta e três.
Respire...
O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo
e o pulmão direito infiltrado.
Então, Doutor, não é possível fazer um PNEUMOTORAX?
Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Manuel Bandeira volta ao Rio de Janeiro somente no ano de 1917, passando a se dedicar ao magistério na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, no Colégio Pedro II e no Ginásio Carioca. Exerceu, inclusive, o cargo de Inspetor de Ensino Secundário, a partir de 1935. Bastante ligado à escola simbolista, o jovem poeta publica o seu primeiro livro - A cinza das horas - em 1917. No poema Epígrafe, ele humildemente escreveu:

Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugiu como um furacão,

Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó -
Ah, que dor!
Magoado e só,
-Só! - meu coração ardeu:

Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria...
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.
Esta pouca cinza fria.

A sua segunda publicação, intitulada Carnaval, foi lançada dois anos depois. A consagração de Manuel Bandeira como poeta modernista, contudo, adveio através do trabalho Rithmo dissoluto, em 1924. Continuando a produzir, em 1930 ele publica Libertinagem; em 1936, duas outras obras - Estrela da manhã e Crônicas da província do Brasil (esta última em prosa); e, em 1938, Guia de Ouro Preto. O poeta edita as obras Lira dos cinqüenta anos, Apresentação da poesia brasileira (mas não insere suas próprias poesias neste trabalho) e Noções de história das literaturas, em 1940.

Como era de se esperar, Manuel Bandeira é eleito, em 1940, para ocupar a cadeira de número 24, da Academia Brasileira de Letras, tornando-se um de seus membros ilustres. Sua produção poética não pára. Em 1948, é a vez de Mafuá do Malungo; seguindo-se Literatura hispano-americana, em 1949, e Opus 10, em 1952. No final da década de 1950, o seu busto (em bronze) foi erigido na cidade do Recife, na confluência das ruas União e Riachuelo.

Em Itinerário de Pasargada, sua biografia publicada em 1954, Manuel Bandeira revela ao mundo a disciplina que fora obrigado a seguir nos treze primeiros anos de tratamento da tuberculose, bem como o esforço que teve de despender para poder associar alguma produtividade com a utilização parcimoniosa de suas forças físicas. Muitos autores afirmam, neste sentido, que a presença da ironia em seus poemas deveu-se à convivência diária do autor com o pesadelo da morte.

Ainda no ano de 1954, Bandeira publica a obra De Poetas e poesia e, em 1957, Frauta de papel. Poesia e prosa (em dois volumes) foi editada em 1958, quando o poeta estava com setenta e dois anos. Por fim, em 1966, com a idade de oitenta anos, ele lança o livro Andorinha, andorinha.

Foi enfrentando diariamente a tuberculose, e lutando com todas as forças para viver, que o consagrado poeta - sem nunca deixar de ser sentimental - construiu toda a sua produção literária. O seu legado ao povo brasileiro representa o milagre e a vitória da saúde sobre a doença e da vida sobre a morte.

Ninguém imaginava que Manuel Bandeira pudesse viver tantos anos driblando a morte. Foi devido ao estigma de sua enfermidade, com toda a certeza, que ele permaneceu solteiro durante toda a vida. O poeta faleceu no dia 13 de outubro de 1968, em decorrência de uma úlcera no duodeno, aos oitenta e dois anos de idade. Sua obra, contudo, continua viva. Por fim, os leitores precisam apenas saber o seguinte: Manuel Bandeira estava completamente equivocado em relação ao seu valor, quando escreveu estas linhas:

Criou-me, desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Fontes consultadas:

CÂMARA, Leônidas. A poesia de Manuel Bandeira: seu revestimento ideológico e formal. Estudos Universitários. Recife, v. 9, n. 2, p. 73-98, abr./jun. 1969.

MAZZARI, Marcus V. Os espantalhos desamparados de Manuel Bandeira. Estudos Avançados, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 255-276, 1987.

PORTO, Ângela. A vida inteira que podia ter sido e que não foi: trajetória de um poeta tísico. História, Ciências, Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, p. 523-550, nov. 1999/fev.2000.

SILVA, Jorge Fernandes da. Vidas que não morrem. Recife: Departamento de Cultura, Secretaria de Educação, 1982.

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