quarta-feira, 20 de maio de 2009

MANOEL CORREIA DE ANDRADE

MANOEL CORREIA DE ANDRADE

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


No dia 3 de agosto de 1922, no Engenho Jundiá, em Vicência, Estado de Pernambuco, nasce Manoel Correia de Oliveira Andrade. Os seus pais são Joaquim Correia Xavier de Andrade (senhor de engenho e criador de gado) e Zulmira Azevedo Correia de Andrade. Manoel faz os quatro primeiros anos do ensino formal em Vicência, mas, aos dez anos de idade, muda-se com a sua família para Recife. No Liceu Pernambucano dessa cidade, ele conclui o ensino fundamental e, no Instituto Carneiro Leão, o curso complementar pré-jurídico. Durante o curso pré-jurídico, ele se casa com Maria de Lourdes Sales Menezes, uma colega de curso que ele chama de Lourdinha e, com ela, tem cinco filhos.

Em seguida, Manoel Correia ingressa na Faculdade de Direito do Recife. O jovem estudante, porém, não se contentava em cursar apenas uma faculdade, porque, ao cabo de dois anos, decide realizar, concomitantemente, o curso de Licenciatura em Geografia e História, na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Manoel da Nóbrega, hoje chamada de Universidade Católica de Pernambuco. Por sua vez, em 1945, ele conclui o bacharelado em Direito, e, em 1947, diploma-se em Geografia e História.

Apesar de ser filho de senhor de engenho, Manoel Correia torna-se membro do Partido Comunista aos vinte anos de idade. Por essa razão, os trabalhadores rurais passam a chamá-lo de Correinha e nele confiam. Naquela organização, entretanto, ele permanece somente sete meses. A despeito disto, as tendências esquerdizantes que possui facilitam a sua atuação profissional em vários sindicatos, como advogado trabalhista contratado.

Porém, mesmo tendo trabalhado no Sindicato dos Ferroviários, no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Exploração de Pedras de Jaboatão, e no Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Papel e Papelão, o jovem advogado não estava satisfeito com a sua área de atuação, considerando-a como demandante de muito labor e retribuidora de pouco retorno financeiro. Ele decide incrementar o ritmo de suas leituras e, em uma delas, entusiasma-se com a obra do sociólogo Caio Prado Júnior Evolução política do Brasil. Manoel Correia dá início, então, ao estudo das revoluções ocorridas durante o período regencial, e passa a freqüentar bastante a Biblioteca Pública - local onde funciona hoje o Arquivo Público Estadual.

Pouco a pouco, aquele advogado dedica menos tempo à sua carreira jurídica e mais à pesquisa. Em uma das viagens que faz ao sul do Brasil, ele conhece pessoalmente Caio Prado Júnior, e surge daí uma preciosa oportunidade. O ilustre sociólogo estava selecionando especialistas em Geografia, em cada região do país, para que escrevessem sobre as diversas questões agrárias do país, e propõe a Manoel Correia que se encarregue da parte concernente à realidade nordestina.

Como fruto dessa oportunidade, nasceria o livro A terra e o homem no Nordeste, que foi prefaciado pelo próprio Caio Prado Júnior e publicado pela Editora Brasiliense. Essa obra causa uma grande reação nos geógrafos brasileiros, que a consideram como não-científica porque não se destinava a propósitos acadêmicos, e, sim, a registrar e analisar um longo processo político.

Em 1952, contrariando um antigo desejo de seu pai, Manoel Correia passa a se dedicar inteiramente ao ensino médio. Começa lecionando Geografia do Brasil e História, nos colégios Vera Cruz, Padre Félix e Americano Batista. Ensina também Geografia Física, na Faculdade de Filosofia do Recife; Geografia Geral, no Colégio Estadual de Pernambuco; e Geografia Econômica, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Por participar de manifestações de rua e atos de oposição a Agamenon Magalhães, por ser integrante do grupo de estudantes que pisoteou e rasgou o retrato de Getúlio Vargas (no bar Lero Lero), e por participar da luta política contra o Estado Novo, Manoel Correia é preso no Governo do interventor Etelvino Lins. Acontece que o delegado da Ordem Social era seu primo, Fábio Correia, que, diante das circunstâncias, se vê obrigado a cumprir com o dever. Manoel Correia é processado, em 1944, pelo Tribunal de Segurança Nacional e, no ano seguinte, anistiado através de um decreto do presidente Getúlio Vargas.

Mas, a despeito de toda a repressão existente na época, ele é um dos oradores no enterro do estudante Demócrito de Souza Filho, representando os concluintes de Direito do ano de 1945. O escritor iria preso, ainda, por integrar o GEPA, um Órgão criado por Miguel Arraes de Alencar, governador de Pernambuco, para assistir à população e ao trabalhador pobre do sertão.

Manoel Correia escreve a obra A terra e o homem no Nordeste, com o objetivo de esclarecer políticos e estudiosos acerca da reforma agrária. Apesar de ter sido elaborado por um professor universitário, trata-se de um trabalho mais militante que acadêmico. Por essa razão, o livro é apreendido após o golpe de 1964, uma vez que os militares o consideram como sendo um material de cunho subversivo. Segundo o próprio autor declararia, “o livro A terra e o homem no Nordeste lhe deu cargos importantes, elogios e prisões”.

O jovem professor conheceu vários países e realidades fora do Brasil: estudou na École Pratique de Hautes Études, na França; passou quinze dias em um congresso em Israel e viajou por todo o Estado; lecionou nas Universidades de Sukuba, no Japão, e na Universidade de Buenos Aires, na Argentina; deu palestras e conferências no Peru, no México, na Colômbia, na França e nos Estados Unidos (Califórnia), entre outros.

Fica difícil registrar em poucas linhas os inúmeros cargos, funções e homenagens que Manoel Correia teve, recebeu, e continua tendo e recebendo. Destacam-se: o título de Doutor Honoris Causa, por parte de três Universidades Federais (a do Rio Grande do Norte, a de Alagoas, e a de Sergipe), e pela Universidade Católica de Pernambuco; as funções de Chefe do Departamento de Geografia e História da Faculdade de Ciências Econômicas, da UFPE, e de Coordenador do Curso de Mestrado em Economia, da UFPE. Ele ganharia, inclusive, um verbete no Who´s who in Brazilian economic life.

Em 1984, Manoel Correia foi nomeado Diretor do Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira Rodrigo Mello Franco de Andrade (CEHIBRA), da Fundação Joaquim Nabuco, cargo que ocupou até 2003. O volume de sua produção científica foge dos padrões e limites dos demais membros da Academia Pernambucana de Letras. O incansável pesquisador possui mais de cem (100) livros e duzentos e cinqüenta (250) artigos publicados, inclusive muitos deles em várias línguas.

Abaixo, lista-se algumas de suas obras, por ordem cronológica de publicação:

Geografia do Brasil, 3a. série ginasial. São Paulo, 1952;
Geografia geral para a 1a. série ginasial. São Paulo, 1954;
Geografia geral para a 2a. série ginasial. São Paulo, 1954;
Geografia geral para a 4a. série ginasial. São Paulo, 1957;
Geografia e história de Pernambuco. São Paulo, 1959;
A pecuária no agreste pernambucano. Recife, 1961;
O Distrito Industrial e suas condições climáticas. Recife, 1962;
Geografia do Brasil: região Nordeste. São Paulo, 1962;
A terra e o homem no Nordeste. São Paulo, 1963;
Geografia do Brasil, curso colegial. São Paulo, 1965;
Geografia geral: física e humana. São Paulo, 1965;
A guerra dos cabanos. [Rio de Janeiro], [1965].
Espaço, polarização e desenvolvimento: a teoria dos pólos de desenvolvimento e a realidade nordestina. Recife, 1967;
Geografia dos continentes. São Paulo, 1968;
Geografia econômica do Nordeste: o espaço e a economia nordestina. São Paulo, 1970;
Nordeste, espaço e tempo. Petrópolis, 1970;
Movimentos nativistas em Pernambuco: Setembrizada e Novembrada. Recife, 1971;
Aceleração e freios do desenvolvimento brasileiro. Petrópolis, 1973;
Geografia econômica. São Paulo, 1973;
O processo de ocupação do espaço regional do Nordeste. Recife, 1975;
Os trinta anos do Brasil. Recife, 1976;
História econômica e administrativa do Brasil. São Paulo, 1976;
O planejamento regional e o problema agrário no Brasil. São Paulo, 1976;
O processo de ocupação do espaço pernambucano. Recife, 1976;
Agricultura & capitalismo. São Paulo, 1979;
Latifúndio e reforma agrária no Brasil. Rio de Janeiro, 1980;
1930: a atualidade da Revolução. São Paulo, 1980;
Capital, Estado e industrialização do Nordeste. Rio de Janeiro, 1981;
Nordeste: a reforma agrária ainda é necessária? Recife, 1981;
As alternativas do Nordeste. Recife, 1983;
Projeto, avaliação e diagnóstico da Geografia no Brasil. Brasília, 1983;
Poder político e produção do espaço. Recife, 1984;
Classes sociais e agricultura no Nordeste. Recife, 1985;
Abolição e reforma agrária. São Paulo, 1987;
Geografia, ciência da sociedade: uma introdução à análise do pensamento geográfico. São Paulo, 1987;
O Nordeste e a Nova República. Recife, 1987;
O homem e a cana-de-açúcar no vale do Siriji. Recife, 1987;
Imperialismo e fragmentação do espaço. São Paulo, 1988;
A Revolução de 30: da República Velha ao Estado Novo. Porto Alegre, 1988;
O Brasil e a África. São Paulo, 1989;
Caminhos e descaminhos da Geografia. Campinas, 1989;
A Itália no Nordeste: contribuição italiana ao Nordeste do Brasil. Recife, 1992
Uma geografia para o século XXI. Recife, 1993;
O desafio ecológico: utopia e realidade. São Paulo, 1994;
A questão do território no Brasil. Recife, 1995.

Vale a pena registrar que, além de companheira de uma longa jornada, a sua esposa, Lurdinha, sempre foi uma de suas maiores colaboradoras, lendo e revisando todos os trabalhos que o autor escreve.

Compulsivo por leitura, Manoel Correia possui uma biblioteca particular avaliada entre trinta mil e quarenta mil obras. E novos trabalhos não param de chegar às suas mãos, seja porque ele os adquire, seja porque as pessoas lhe enviam de presente as publicações. A cada mês que passa, portanto, cerca de cem novos livros vêm para o seu acervo pessoal.

Comprometido com a reforma agrária, com um Brasil e um Nordeste, em particular, menos iníquos e mais desenvolvidos, Manoel Correia de Oliveira Andrade declara ser um homem realizado. E a Fundação Joaquim Nabuco, como escreveu o folclorista Mário Souto Maior, se orgulha de ter sido, por muitos anos, o berço e a oficina de trabalho daquele notável pesquisador.

Morreu no dia 22 de junho de 2007, no Recife, em conseqüência de problemas cardíacos. Seu corpo foi velado na Academia Pernambucana de Letras.

Fontes consultadas:

ARAÚJO, Rita de Cássia Barbosa de(Org.); BERNARDES, Denis: FRENANDES, Eliane Moury. O fio e a trama: depoimento de Manuel Correia de Andrade. Recife: UFPE. Ed. Universitária, 2002.

GASPAR, Lúcia (Coord.); PODEUS, Raquel Batista; SILVA, Rosi Cirstina da. Manuel Correia de Andrade: cronologia e bibliografia. Recife: UFPE. Ed. Universitária, 1996.

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