quarta-feira, 20 de maio de 2009

MAMULENGO

MAMULENGO

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco



Mamulengo é o nome dado a um teatro popular de bonecos, também chamado de fantoche, marionete, ou títere. Desde a mais remota Antigüidade, a presença do mamulengo tem sido detectada até em locais como a Índia e o Egito. A origem da palavra ainda é discutida, mas os estudiosos acreditam que ela é oriunda da expressão “mão mulenga”, ou “mão molenga”, que significa mão que se movimenta, em uma alusão à forma pela qual os bonecos se movem. O mamulengo foi introduzido em Pernambuco, no século XVI, pelos colonizadores portugueses.

Durante a Idade Média, a Igreja Católica utilizou muito o teatro de mamulengo para fins catequéticos, como forma de difundir o espírito religioso. Através desse teatro, e inspirados no catolicismo alegórico, os religiosos criaram ainda um espetáculo denominado presépio, onde apresentavam a história do nascimento de Jesus Cristo, por meio de bonecos em forma de santos, de reis magos e de animais - como a vaca, o jumento e a ovelha.

Os mamulengueiros armavam uma espécie de tenda em praças, feiras ou parques e, ao interagirem com as pessoas presentes, iam construindo o próprio desenrolar da encenação. O teatro de mamulengo era aberto, possuía um canal participativo, e não dispunha de qualquer enredo escrito: os diálogos eram sempre improvisados. As histórias desenvolvidas em cada espetáculo podiam, até mesmo, ter muitas semelhanças com as anteriores e as posteriores, mas eram únicas, em verdade: advinham da interação dos personagens com a platéia, sendo tecidas através do universo cultural do público presente. E este representava um elemento de suma importância: precisava ser estimulado para reagir, já que era o “combustível” que forjava a encenação.

Com o passar do tempo, porém, da mesma forma que uma série de outros folguedos relacionados às festas religiosas ou à natividade, o mamulengo foi adquirindo um caráter mais profano, e passou a funcionar independentemente dos festejos natalinos e dos ciclos de comemorações religiosas.

Na atualidade, os personagens são bastante distintos daqueles do passado, podendo-se encontrar componentes da sociedade (latifundiários, cangaceiros, delegados, coronéis, padres, vaqueiros, trabalhadores e outros); animais (o cavalo, a cobra, a onça, o cachorro, a vaca); e figuras sobrenaturais (a morte, o diabo, as almas penadas). Nas escolas e demais centros de educação comunitária, o mamulengo é utilizado com vários outros personagens para incentivar a socialização e o repasse de conhecimentos, mudanças de atitudes, entre outros.

Os bonecos são confeccionados com vários tipos de materiais. A madeira, por exemplo, é muito utilizada para fabricar a cabeça e as mãos do mamulengo, ao passo que o seu corpo é feito de pano, na forma de uma luva. Para movimentá-lo, o manipulador insere o dedo indicador no interior de sua cabeça (que é oca) e, com os dedos polegar e médio, mexe os seus braços. Escondidos atrás do palco, os mamulengueiros dão voz e movimento aos bonecos.

Além da madeira, também se encontram mamulengos feitos com papel machê, pano, argila, borracha, palha, sucata ou metal. Por sua vez, para poder movimentá-los, além das luvas, os artesãos utilizam hastes de metal, varetas, ou cordões. No tocante aos adereços, os personagens masculinos podem se apresentar com chapéus (de vaqueiro ou não), com armas de fogo (espingardas, revólveres), facas, cassetetes, batinas, fardas e quepes militares; e as figuras femininas portar jóias - colares, brincos, anéis, pulseiras - bolsas, lenços ou perucas nas cabeças.

Em épocas passadas, a maior parte dos mamulengos era fabricada na cor preta, sendo que os vilões eram brancos. Segundo os pesquisadores, a associação dos personagens à raça negra não ocorria por acaso: havia o propósito de chamar a atenção do público para a bravura dos negros. Presentemente, as apresentações de mamulengos abordam diversos temas como traições, romances, fatos políticos, casamentos forçados, aspectos sobrenaturais, festas religiosas, dramas de circo, eventos relativos ao cangaço, sátiras, cantos, músicas, festividades, danças, perseguições policiais, enterros e acrobacias. E os mamulengos são conhecidos por nomes distintos, de acordo com os Estados: Benedito, Cabo 70, Professor Tiridá, Quitéria, Simão e Mané Pacaru, em Pernambuco; João Redondo, no Rio Grande do Norte; Mané Gostoso, na Bahia; e Babau, na Paraíba.

Na rua do Amparo número 59, em Olinda, está situado o primeiro Museu do Mamulengo do Brasil e da América Latina: o Museu do Mamulengo - Espaço Tiridá. Ali, uma biblioteca, um teatro com cinqüenta (50) lugares, e uma exposição com cerca de 1.000 bonecos estão à disposição do público. E, os funcionários do museu manipulam alguns bonecos, para que os visitantes conheçam sua história. Desse modo, o Museu do Mamulengo - Espaço Tiridá representa um museu vivo. Vale ressaltar que, nele, está exposta uma preciosa coleção datada do século XIX, advinda do Mamulengo Só-Riso (proveniente da Zona da Mata de Pernambuco). O grupo doou aquela coleção à Fundação Joaquim Nabuco que, por sua vez, repassou-a ao Museu do Mamulengo. O acervo deste museu já foi exposto em todo o país e na Europa.

Vários teatros de mamulengos podem ser encontrados no Estado de Pernambuco: o Mamulengo Só-Riso, o Mamulengo Alegre e o Mamulengo Lima Condessa, em Olinda; o Mamulengo Dengoso na Campina do Barreto, em Recife; o Presépio Nova Geração e A Invenção Brasileira, em Carpina; o Mamulengo Boca de Babau no Cabo de Santo Agostinho; o Mamulengo Riso da Cidade e o Mamulengo Alegria do Povo, em Glória de Goitá.

Alguns artesãos renomados são os seguintes: Pedro Rosa (em Lagoa do Carro); Maximiano (em Caruaru); Luiz da Serra (em Vitória de Santo Antão); João Nasário (em Pombos); Mane da Cruz (em Cruz de Rebouças); Salustiano e Pedrinho Soares (em Olinda); Saúba (em Carpina); e Samuel (em Feira Nova). Dois excelentes mestres - já falecidos – não podem deixar de ser lembrados. São eles: Sólon (em Carpina) e Nilson de Moura (em Olinda).

Da mesma maneira que o presépio, o pastoril, o bumba-meu-boi e o fandango, o teatro popular de mamulengos – formatado originalmente como teatro de rua - faz parte do patrimônio artístico e cultural do país. As suas apresentações, porém, não dependem mais do improviso para nortear ou dar consistência às histórias. A despeito das interações com a platéia, os mamulengueiros já partem de roteiros prévios bem definidos e de representações cênicas estudadas e sofisticadas. E, mesmo havendo muita interação, o rumo das tramas não é alterado.

O teatro de mamulengos, apesar das inúmeras mudanças pelas quais tem passado através dos anos, chega ao século XXI com sua linguagem simples, suas situações cômicas e satíricas, brincadeiras, discussões e confusões. Esse teatro popular continua atraindo pessoas das mais distintas idades e classes sociais, em todos os lugares do mundo, porque conservou suas características mais relevantes: a presença do lúdico, do bom humor, e a participação interativa. Tais elementos que representam seu sustentáculo são, em verdade, atemporais.

Fontes consultadas:

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