quarta-feira, 20 de maio de 2009

LAPINHA

LAPINHA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


Enquanto o presépio representa uma das tradições natalinas, assim como a árvore-de-Natal, a lapinha (ou pastoril) ainda se encontra bem conservada, particularmente no Nordeste do Brasil.

Câmara Cascudo ressalta, em seu Dicionário do folclore brasileiro, que, por tradição, a Sagrada Família se recolheu a uma caverna (uma lapa ou gruta), tendo lá nascido o Menino Jesus. Vem, daí, o termo lapinha. Diz o folclorista, ainda, que a lapinha é a denominação popular do PASTORIL, com a diferença de que era representada a série de pequeninos autos, diante do PRESÉPIO, sem interferência de cenas alheias ao devocionário.

Por lapinha, segundo Cascudo, seria denominado o pastoril que se apresentava diante dos presépios, ou seja, o grupo de pastoras que faziam as suas louvações na noite de Natal, cantando e dançando diante do presépio, divididas por dois cordões – o azul e o encarnado, as cores votivas de Nossa Senhora e de Nosso Senhor. Em outras palavras, tratava-se de uma ação teatral de tema sacro.

Somente por volta do século XVI, ou seja, três séculos depois de ter sido criada a simbologia do presépio, é que a dramatização da Natividade, com danças e cantos, teve o seu início. Entoada diante do presépio, a lapinha, do final do século XVIII até o princípio do século XX, exibia-se diante do presépio, cantando e dançando em igrejas ou residências particulares, divididas em cordões encarnado e azul.

O desvirtuamento da lapinha acentuou-se em 1801, quando o bispo de Olinda protestou contra as pastorinhas, pela alta percentagem de mundanidade que escurecera a transparência inocente dos doces autos antigos.

Antigamente, a lapinha era também representada por um arcabouço de ripas, onde se viam entrelaçados ramos de folhagens de pitangueira e de canela, que perfumavam o ambiente, sendo enfeitadas por rosas e cravos. Na atualidade, a lapinha é o ramo profano da representação dramática da Natividade, relacionando-se mais às iniciativas leigas, por ocasião do Natal. Neste sentido, representa mais um simples teatro popular, sem as comemorações religiosas do nascimento de Jesus.

Na Idade Média, afirmava-se que Jesus havia nascido em uma lapa (uma espécie de gruta ou caverna), a morada dos primeiros homens. Por essa razão, foram criadas as lapinhas. Estas se modificaram, segundo Câmara Cascudo, perderam a religiosidade de outrora, assimilaram costumes africanos e indígenas, tornando-se um auto profano, passando a incluir danças modernas e cantos estranhos ao auto. Hoje, ressalta o folclorista, os termos lapinha e presépio são considerados como sinônimos.


Fontes consultadas:

BENJAMIN, Roberto. Pequeno dicionário do Natal. Recife: Sociedade Pró-Cultura, 1999.

BRITO, Ronaldo Correia de. Os vários motivos pagãos na cena do presépio. Suplemento Cultural, D. O. PE, Recife, ano 15, p. 3-4, dez. 2000.

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.

FERREIRA, Ascenso. Presépios e pastoris. Arquivos, Recife, ano 2, n. 1-2, dez. 1943.

GUTEMBERG, Luiz. Auto da lapinha mágica. Cultura, Brasília, DF, ano 3, n. 11, p.4-18, out./dez. 1973.

MELQUÌADES, José. A história do presépio e a natividade. Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, Natal, v. 39, n. 27, p. 110-115, 1998.

SILVA, Leny de Amorim (Org.). Em louvor do Natal. Recife: Academia Pernambucana de Música, 1992/1993.

VALENTE, Waldemar. O presépio dos Valença. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, Centro de Estudos Folclóricos, 1979. (Série Folclore, n. 79)

________. Pastoris do Recife antigo e outros ensaios. Organização e apresentação de Mário Souto Maior. Recife: 20-20 Comunicação e Editora, 1995.

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