quarta-feira, 20 de maio de 2009

JÚLIA ALVES BARBOSA

JÚLIA ALVES BARBOSA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


No Rio Grande do Norte, no início do século XX, surgiu uma forte campanha visando conceder às mulheres o direito de votar. As pioneiras foram Myrthes de Campos - primeira advogada a entrar para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - , e Leolinda Daltro - uma professora que, em 1910, fundou o Partido Republicano Feminino. Essas duas mulheres tiveram seus pleitos negados, mesmo tendo se baseado nos Artigos 69, 70 e 72, da Constituição Republicana do Brasil, de 1891, e no Código Eleitoral vigente desde 1904 - que asseguravam a igualdade de direitos para todos, sem excluir, o segmento feminino da população, dos direitos de cidadania e das condições de elegibilidade.

Inseridas nesse contexto, portanto, até a segunda década do século passado, as brasileiras não tinham o direito de votar e/ou de ser votadas. Estavam em vigência as relações oligárquicas da República Velha, na qual predominava o poder único e exclusivo dos homens. As mulheres norte-rio-grandenses não se encontravam inseridas, totalmente, no processo de lutas pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, mas, também, não estavam alijadas desse processo. As relações de gênero só começaram a mudar quando algumas potiguares conquistaram os direitos políticos e cidadãos: o direito de votar e de ser votada para cargos públicos eletivos.

Diante da perspectiva feminista, vale salientar que os partidos e as igrejas, no Brasil, se destacam como as grandes trincheiras do conservadorismo, em favor da manutenção da cultura androcêntrica. A despeito de pregarem a democracia, preferem não relacioná-la à transformação das relações de gênero. Não é preciso muito esforço, porém, para se compreender o porquê desse fenômeno: regidas pela hierarquia e pelo clientelismo, aquelas duas instituições se mantêm como baluartes do patriarcado, procurando garantir, através do espaço privado, o controle do corpo feminino, e, por intermédio do espaço público, a exclusão das mulheres das decisões políticas. (BUARQUE; VAINSENCHER, 2005)

Há que se admitir que, no Rio Grande do Norte, o relevante ganho político conferido às mulheres resultou das reivindicações feministas, por igualdade de direitos, lideradas pela bióloga paulista Bertha Lutz (1894 -1976). Bertha foi uma das lideranças feministas mais expressivas na campanha pelo voto das mulheres, como também pela igualdade de direitos entre mulheres e homens, tendo esse processo reivindicatório incentivado e acirrado lutas, em várias partes do Brasil. Através de entidades de apoio à causa do sufrágio feminino, as mulheres partiram para a luta. Uma dessas entidades foi a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, cuja Presidente - Bertha Lutz - buscava deputados federais que apoiassem a criação de um projeto de lei dando vez ao voto das mulheres.

Em 1926, quando a Constituição brasileira foi revisada, os legisladores não incluíram uma disposição consagrando, explicitamente, a igualdade de direitos para ambos os sexos. Tal falha gerou protestos do então senador Juvenal Lamartine, um candidato ao Governo que defendia a inclusão dos direitos e deveres cívicos para homens e mulheres. Neste sentido, foi feita a seguinte emenda no Artigo 77, das Disposições Gerais:

No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexo, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei.

No dia 25 de outubro de 1927, passou a vigorar a Lei Estadual nº 660, com a emenda Regular o Serviço Eleitoral do Estado, que estabelecia a não distinção de sexo para o exercício do sufrágio e, tampouco, como condição básica de elegibilidade. Assim, em 25 de novembro de 1927, Celina Guimarães Viana deu entrada em uma petição, mediante a qual requeria sua inclusão na lista de eleitores. Ao receber do juiz um parecer rápido e favorável, fez um apelo ao presidente do Senado Federal para que todas as mulheres tivessem o mesmo direito. Em seu telegrama, lia-se:

Peço nome mulher brasileira seja aprovado projeto institui voto feminino amparando seus direitos políticos reconhecidos Constituição Federal – Saudações Celina Guimarães Viana – Professora Escola Normal Mossoró.

É importante lembrar que Celina Guimarães Viana, natural de Mossoró, não foi a primeira mulher a requerer inclusão no alistamento eleitoral. Em verdade, tal pioneirismo coube à professora Júlia Alves Barbosa, nascida em Natal, em 24 de novembro de 1927. Entretanto, na época, dada à sua condição de solteira, o juiz da 1ª vara da Capital retardou o deferimento do pleito de Júlia, e este só saiu publicado, no Diário Oficial do Estado, no dia 1º de dezembro do mesmo ano. Por outro lado, o despacho de Celina foi rapidamente aprovado, pelo fato de ser casada com um advogado e professor. Logo, por ser esposa de alguém importante, Celina se tornou a primeira eleitora não apenas do Rio Grande do Norte e do Brasil, porém, de toda a América Latina. E Júlia Alves Barbosa ficou sendo a segunda eleitora. Seja como for, pode-se observar como o movimento sufragista potiguar era atuante, na época.

Com a promulgação da Lei Estadual n. 660, explicitando os direitos políticos e civis das mulheres e, em particular, o direito ao voto, Celina passou a conscientizar as mulheres acerca da importância de se votar; e, somente na década seguinte, aquela Lei foi ampliada para os demais Estados da Federação. Em pouco tempo, a notícia corria o mundo, sendo aclamada em vários jornais feministas. Para poder votar, é importante frisar, as mulheres precisavam ter mais de 21 anos, não ser analfabetas, ter uma profissão que garantisse renda, não viver de mendicância, e tampouco ser religiosas com voto de obediência.

Júlia Alves Barbosa Cavalcanti nasceu em 1898, em Natal/RN. Era uma líder nata, educadora e catedrática da Escola Normal de Natal, pioneira em movimentos pela emancipação da mulher, e engajada em lutas contra os preconceitos. Diplomada professora, ela foi a primeira mulher a ensinar matemática na Escola Normal do Estado, tendo entrado por meio de concurso.

Júlia poderia ter sido a primeira eleitora do Brasil, pois requereu seu alistamento eleitoral no dia 22 de novembro de 1927, pouco menos de um mês depois de sancionada a Lei Estadual de nº 660, que consolidou a vitória dos direitos políticos da mulher norte-rio-grandense. Porém, a taça do pioneirismo ficou com Celina Guimarães Viana, nascida na cidade de Mossoró/RN, que, na época, por ser casada e contar com o apoio do marido - um advogado e professor - teve seu requerimento despachado com rapidez e publicado no Diário Oficial do Estado, antes que o de Júlia.

Cabe registrar que, em seus 45 anos de vida, Júlia Alves Barbosa Cavalcanti quebrou barreiras e enfrentou preconceitos, tendo sido uma das fundadoras da Associação de Eleitoras Norte-rio-grandenses, entidade que teve um papel pioneiro no Estado, no tocante à conscientização da mulher como cidadã. Júlia foi casada com o professor e poeta Francisco Ivo Cavalcanti. Ela faleceu em Natal, em 1943.


Fontes consultadas:

BLOG do Luis Carlos Petroleiro. Disponível em: . Acesso em: 4 de maio 2008.

BUARQUE, Cristina; VAINSENCHER, Semira Adler. ONGs no Brasil: da filantropia ao feminismo. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Cadernos de Estudos Sociais, v. 18, n. 1, jan./jun. 2005, p. 5-19.

CELINA Guimarães. Disponível em: Acesso em: 5 maio 2008.

JÚLIA Alves Barbosa - pioneira e líder. Disponível em: Acesso em: 4 maio 2008.

MARTA Medeiros, a primeira eleitora oficial do Seridó potiguar. Disponível em: Acesso em: 5 maio 2008.

MINISTRO Emmanoel homenageia os 80 anos do voto feminino no Brasil. Disponível em: Acesso em: 4 maio 2008.

NASCIMENTO, Geraldo Maia do. Celina Guimarães e os 80 anos da primeira concessão do voto feminino. Disponível em: Acesso em: 4 maio 2008.

OS oitenta anos do voto de saias na Brasil. Disponível em: Acesso em: 4 maio 2008.

SCHUMAHER, Shuma; BRAZIL, Érico Vital (Org.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

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