terça-feira, 19 de maio de 2009

IMBIRIBEIRA (bairro, Recife)

IMBIRIBEIRA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

Fica difícil escrever sobre a Imbiribeira sem antes discorrer um pouco sobre o antigo Sítio da Barreta: suas existências estão entrelaçadas. E foram vários os combates históricos ali ocorridos durante a campanha da restauração (1645-1654). Na época da invasão holandesa, um documento registra: os encontros e combates tiveram lugar em Afogados, passaram pela Barreta e pelo Sítio da Imbiribeira, e chegaram até os montes Guararapes (situado na Estância da Barreta).

Em 1630, havia naquela propriedade um trapiche de depósito e embarque de açúcar, bem como de outras mercadorias que circulavam pelo rio da Barreta. Este rio era formado pelas águas do mar e do rio Jordão, e tinha a sua nascente na base dos Montes Guararapes.

Com o tempo, além de Passo da Barreta, a localidade foi chamada de Estância da Barreta, Sítio da Barreta, Estrada da Barreta e, depois, apenas de Barreta. Localizava-se junto à foz do braço sul do rio Capibaribe, contornava a ilha do Nogueira e desembocava no porto, quase ao sul do Forte das Cinco Pontas.

Ressalta a História que os holandeses confiscaram "o Passo da Barreta entre o Recife e o Cabo". Sendo considerado um importante ponto estratégico, os flamengos ali construíram um Forte, que denominaram de Schoonenburgh. Foi através da Estrada da Barreta, também, que o exército batavo se deslocou rumo aos Montes Guararapes, antes de sofrer a derrota final.

Após a expulsão dos holandeses, a referida propriedade volta para a família real portuguesa. As terras se estendiam em direção ao sul do Recife, acompanhando todo o litoral, de Afogados até Boa Viagem. Como era muito extenso, aquele Passo começou a ser desmembrado em grandes sítios e localidades. O próprio general André Vidal de Negreiros, quando escreveu o seu testamento, em 1678, declara possuir "umas terras na Barreta", deixando-as de herança para uma afilhada.

No final do século XVII, uma parte daquelas terras torna-se patrimônio dos padres jesuítas do Recife. Lá são construídos diversos prédios, uma boa casa de vivenda, uma capela dedicada à Nossa Senhora do Rosário e uma senzala de escravos. Além disso, são plantados um pomar e um grande coqueiral. A propriedade é administrada por um feitor, dá uma boa renda e serve, ainda, de espaço de lazer para os religiosos.

Sobre essa última parte, contudo, foram efetuadas várias denúncias relativas à quebra do celibato, por parte dos religiosos. Conforme as declarações de um jesuíta, o lugar funcionava como ponto de encontros amorosos para os padres. Em particular, foi mencionado o reitor de um colégio do Recife - o conhecido padre José Aires -, cujas amantes ele próprio trazia para as terras da Barreta, nas ancas do seu cavalo.

A última notícia sobre a propriedade data de 1837: o Passo da Barreta representava uma importante fazenda de criação de gado e de plantação, pertencendo a Inácia Maria Xavier e aos seus filhos.

Recebe o nome de Imbiribeira, por sua vez, uma parte do território da extinta propriedade da Barreta. Essa localidade se estendia da ponte de Motocolombó, no extremo sul da povoação de Afogados, até as confrontações de Boa Viagem, tendo por limite, a oeste, a estrada de rodagem.

Na segunda metade do século XVII, a palavra Imbiribeira é utilizada em uma carta, que menciona os serviços prestados pelo ajudante Fernão de Sousa, em combates contra os holandeses, em Afogados e no Sítio da Imbiribeira. Vem de 18 de janeiro de 1669, uma outra referência àquela localidade: um relato dos serviços militares do capitão Alexandre Cardoso, registrando sua participação em combate na Estância da Imbiribeira.

Pelo nome imbiribeira é denominada uma grande árvore da família das myrtaceas - a imbiriba -, existente na flora brasileira, cuja madeira (vermelha ou preta) é usada como ripa, para a fabricação dos telhados das casas. O vocábulo é indígena, originando-se de duas palavras distintas: eimbir, significando rasgar, lascar; e yb, tiradas do seu lenho, rasgada em tiras, apropriada para a extração de ripas.

No dia 1º de setembro de 1852, em um sítio chamado Piranga, presente na localidade, ocorreu o homicídio de uma jovem, que foi perpetrado por sua própria mãe. Esta cumpriu pena e morreu no presídio de Fernando de Noronha. Em relação ao ocorrido, encontra-se documentado nos livros:

D. Maria de Albuquerque Maranhão, com 48 anos de idade, natural de Pernambuco, viúva, profissão de lavradora, branca, baixa, cabelos corridos, rosto comprido, olhos pardos e pequenos, sabe ler e escrever.

Veio cumprir a sentença de prisão perpétua, a que foi condenada pelo Júri do Recife, em 19 de março de 1853, por crime de morte, chegando neste presídio a 6 de março de 1854, falecendo em 10 de janeiro de 1883, tendo sempre em sua companhia o seu ex-escravo Julião, mandatário do crime, pelo qual se achava ela sentenciada. Morreu viúva.

No ano de 1836, realiza-se a primeira parte da estrada da Imbiribeira, com cerca de um quilômetro de extensão, dando margem ao surgimento de um pequeno povoado. Além disso, é erigida uma capela, sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário, com 75 palmos de frente e 900 de fundo.

Em um terreno da Imbiribeira, doado pelo coronel Manuel Tomás de Albuquerque Maranhão, é construído um paiol de pólvora, contornado por uma alta muralha de alvenaria; uma casa para a guarda; e uma outra, anexa, como residência do oficial-comandante. A propriedade desfrutava de uma boa cacimba, uma horta, um pomar e um grande capinzal.

Algumas execuções ocorridas na Imbiribeira entraram para a História do Brasil: foi a Revolta da Armada, deflagrada na baía de Guanabara, no dia 6 de setembro de 1893.

Na primeira condenação, em 22 de novembro de 1893, são executados, por um suposto crime de conspiração, cinco marinheiros do cruzador Parnaíba, que estava ancorado no porto do Recife. A ação condenatória é efetuada por um conselho secreto, composto por oficiais da marinha, sem a presença de um auditor, e que funciona às ocultas, no sótão do quartel-general da rua da Aurora.

Em se tratando do julgamento, propriamente dito, realiza-se um rápido interrogatório sobre a presumida conspiração, e a sentença é lavrada sem provas e sem que os marinheiros presos admitam ter participado do crime.

Às duas horas da madrugada, escoltados por 20 praças de infantaria e 4 de cavalaria, e com as mãos amarradas às costas, os condenados partem rumo à Imbiribeira. Atrás deles, segue uma carroça do batalhão carregando pás e enxadas, destinadas à abertura de uma vala para sepultar os corpos, após a execução.

Os praças cavam a vala na presença das vítimas. Ao nascer do dia, um oficial pergunta aos condenados se eles têm alguma revelação a fazer. Recebendo novamente uma resposta negativa, a execução é ordenada: uma descarga com pontaria certeira sobre o peito dos marinheiros. Como se isso não fosse o bastante, dá-se um tiro de misericórdia dentro do ouvido de cada um deles. Em seguida, os mortos são jogados dentro da vala comum.

O segundo ato condenatório que entra para a História, ocorre na madrugada do dia 14 de janeiro de 1894: é a execução do pernambucano Silvino de Macedo, acusado de chefiar a revolta da fortaleza da Santa Cruz, no Rio de Janeiro (em 1892), e de estar comprometido, ainda, com a revolta da esquadra.

No final do século XIX, os generais tomavam as decisões que lhes conviessem: imperava o terror sem limites, prendia-se e executava-se com a maior facilidade, e a população vivia sob um constante estado de sítio, sem as garantias constitucionais. Como era de se esperar, em um ambiente de terror desse tipo, os jornais de Pernambuco não noticiaram as seis execuções ocorridas na Imbiribeira.

No entanto, uma carta anônima (proveniente do Recife) chega à redação do jornal O Democrata, impresso no Estado do Pará. E, no dia 13 de fevereiro de 1894, esse periódico publica a mensagem recebida, que finaliza com as seguintes palavras:

Silvino de Macedo, essa alma de cristal com têmpera de aço, sacrificando-se por uma idéia, morrendo corajosamente por um princípio, foi um bravo como poucos, um verdadeiro herói, um desses mortos imortais, que pelos seus feitos espantosos se inscreverão na iluminada galeria de glória.

Salve, mil vezes salve, oh! grande cidadão que te sumiste na voragem do sepulcro com a fronte aureolada pela coroa do martírio, ensinando aos déspotas, com o teu exemplo inexcedível, que o brio pernambucano não desapareceu ainda, e que, se esta terra tem em seu seio um punhado de vilões, que cinicamente se curvam à tirania, trocando a dignidade, a vergonha e a consciência por um bocado de ouro, contam também filhos como tu, que afrontam impavidamente todos os perigos, e sabem dar a vida em holocausto pela causa da pátria e da liberdade.

As históricas execuções foram detalhadas e analisadas, ainda, em uma monografia impressa em Pernambuco, em 1906, e defendida pelo Dr. Vicente Ferrer de B. W. Araújo, intitulada A execução de Silvino de Macedo - estudo crítico e histórico.

Devido à generosidade e à iniciativa do Dr. Vicente Ferrer, conseguiu-se, inclusive, posteriormente, que os restos mortais dos executados fossem colocados em um mausoléu, na igreja matriz dos Afogados. Sem se fazer qualquer juízo de valor acerca do ocorrido, sobre a lâmina de mármore do mausoléu gravou-se, apenas:

Jazigo perpétuo dos fuzileiros da Imbiribeira, Guardião Manuel Pacheco, João Batista de Oliveira, Eusébio Atanásio, Américo Virgílio, Inácio Antônio Quaty (16 anos) pernambucano, ex-sargento Silvino de Macedo, 14 de janeiro de 1894.

No presente, a Imbiribeira é entrecortada pela extensa Avenida Mascarenhas de Morais - uma homenagem ao comandante da Força Expedicionário Brasileira (FEB), durante a II Guerra Mundial.

No bairro, existe uma lagoa natural - a Lagoa de Araçá -, e um parque ecológico, situado no antigo Sítio do Araçá, com 12 hectares e dois bosques. Além desse acervo, próximo ao antigo paiol, podem ser observadas, tão-somente, as ruínas da casa que serviu de palco para o homicídio ocorrido, em 1852.

No final da década de 1960, um dos maiores ginásios de esportes do Nordeste é construído na Avenida Mascarenhas de Morais: o Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães, conhecido por todos como Geraldão. Nesse Ginásio, além de uma série de competições esportivas, costuma haver espetáculos de artistas nacionais e internacionais, bem como eventos importantes.


Fontes consultadas:

CAVALCANTI, Carlos Bezerra. O Recife e os seus bairros. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1998.

COSTA, F. A. Pereira da. Arredores do Recife. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981.

______. ______. Recife: Fundaj, Editora Massangana, 2001.

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

GALVÃO, Sebastião de Vasconcellos. Diccionario chorografico, histórico e estatístico de Pernambuco. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. 4v.

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